Tribuna Livre
Santo Antônio, orai por nós
Ivone Marques Dias
Moro numa rua que é excepcionalmente tocada pela fé. Em 700 metros, contamos com um congá de Umbanda, uma igreja pentecostal, uma igreja evangélica (cujo pastor é o admirável Dr. Péricles), uma igreja nova evangélica, enorme, em fim de construção e, na pracinha do posto policial comunitário, a Igreja Católica do Santo Casamenteiro, o velho Santo Antônio. Tudo estaria bem neste reduto de fé, não fosse a tradicional festa de Santo Antônio que violenta nossos ouvidos durante 13 dias consecutivos, pois a igreja tem um alto-falante na torre, que faz o favor de impor aos vizinhos uma coleta de músicas e avisos ao "Povo do Mogi Moderno".
As demais igrejas são silenciosas. Têm até isolamento acústico e obedecem a normas técnicas. Porém, quando chega certa hora do dia, a igreja de Antônio ataca de musical. Como a janela do meu quarto dá de frente para o bocal do microfone, os festeiros de Antônio tiram-me a capacidade de concentração de leitura e irritam meus neurônios de maneira ímpar. Meus vizinhos e eu não somos católicos. Domingo passado, tive de chamar o pessoal da Prefeitura. Eles prontamente atenderam e a turma maneirou um pouco no som. Ora, o som pode baixar, mas quem é que lava o xixi que homens fazem sem nenhum pudor atrás dos carros e nos muros da rua? Santo Antônio deve estar pulando na cova pelo que fazem em seu nome.
Para quem não sabe, Antonio nasceu em Portugal, pouco abaixo da sé de Lisboa, durante a Baixa Idade Média. Tão logo percebeu sua vocação religiosa, retirou-se para junto dos franciscanos e, depois, foi para Pádua, na Itália, onde ficou até o fim da vida. Os franciscanos têm uma história linda que poucos lêem. Entre as músicas que os beatos colocam para o bairro inteiro engolir, há uma sobre o milagre das rosas da rainha santa Isabel, em versão de dupla caipira. O "Rio de Piracicaba" é outro hit dos velhinhos.
Agora, devotos, prestem bem atenção. Primeiro, El Rey Dom Dinis era farrista consagrado. A rainha, nascida em terras da Espanha, tinha por hábito ajudar os necessitados. Li seu processo de canonização, e garanto que ela não foi canonizada pelo milagre das rosas, e sim porque fazia curativos em leprosos. Isabel era também grande Estadista. Mediou questões políticas severas. Morreu na Espanha. O cadáver foi trazido num caixão nos ombros de serviçais e, quando o corpo começou a decompor na longa viagem, os carregadores diziam que os líquidos que vazavam em seus ombros eram perfumados, tinham o odor da santidade. Isabel foi sepultada no Convento de Santa Clara, em Coimbra. Beatos, peço que estudem mais e façam menos barulho. A fé alheia também precisa ser respeitada.
colaboração: Ivone Marques Dias - Jornal Mogi News