9 de jun. de 2011

Tribuna Livre
Santo Antônio, orai por nós
Ivone Marques Dias

Moro numa rua que é excepcionalmente tocada pela fé. Em 700 metros, contamos com um congá de Umbanda, uma igreja pentecostal, uma igreja evangélica (cujo pastor é o admirável Dr. Péricles), uma igreja nova evangélica, enorme, em fim de construção e, na pracinha do posto policial comunitário, a Igreja Católica do Santo Casamenteiro, o velho Santo Antônio. Tudo estaria bem neste reduto de fé, não fosse a tradicional festa de Santo Antônio que violenta nossos ouvidos durante 13 dias consecutivos, pois a igreja tem um alto-falante na torre, que faz o favor de impor aos vizinhos uma coleta de músicas e avisos ao "Povo do Mogi Moderno".

As demais igrejas são silenciosas. Têm até isolamento acústico e obedecem a normas técnicas. Porém, quando chega certa hora do dia, a igreja de Antônio ataca de musical. Como a janela do meu quarto dá de frente para o bocal do microfone, os festeiros de Antônio tiram-me a capacidade de concentração de leitura e irritam meus neurônios de maneira ímpar. Meus vizinhos e eu não somos católicos. Domingo passado, tive de chamar o pessoal da Prefeitura. Eles prontamente atenderam e a turma maneirou um pouco no som. Ora, o som pode baixar, mas quem é que lava o xixi que homens fazem sem nenhum pudor atrás dos carros e nos muros da rua? Santo Antônio deve estar pulando na cova pelo que fazem em seu nome.

Para quem não sabe, Antonio nasceu em Portugal, pouco abaixo da sé de Lisboa, durante a Baixa Idade Média. Tão logo percebeu sua vocação religiosa, retirou-se para junto dos franciscanos e, depois, foi para Pádua, na Itália, onde ficou até o fim da vida. Os franciscanos têm uma história linda que poucos lêem. Entre as músicas que os beatos colocam para o bairro inteiro engolir, há uma sobre o milagre das rosas da rainha santa Isabel, em versão de dupla caipira. O "Rio de Piracicaba" é outro hit dos velhinhos. 
Agora, devotos, prestem bem atenção. Primeiro, El Rey Dom Dinis era farrista consagrado. A rainha, nascida em terras da Espanha, tinha por hábito ajudar os necessitados. Li seu processo de canonização, e garanto que ela não foi canonizada pelo milagre das rosas, e sim porque fazia curativos em leprosos. Isabel era também grande Estadista. Mediou questões políticas severas. Morreu na Espanha. O cadáver foi trazido num caixão nos ombros de serviçais e, quando o corpo começou a decompor na longa viagem, os carregadores diziam que os líquidos que vazavam em seus ombros eram perfumados, tinham o odor da santidade. Isabel foi sepultada no Convento de Santa Clara, em Coimbra. Beatos, peço que estudem mais e façam menos barulho. A fé alheia também precisa ser respeitada.

colaboração: Ivone Marques Dias - Jornal Mogi News 

SEUS OLHOS PODEM LER

Matrizes africanas na palma das mãos e diante dos olhos

Pós-Doutor em Antropologia pela UNESP e pesquisador de temas relacionados ao candomblé e à matriz africana , Vilson Jr lançou ontem 08/6, o projeto Na Palma da Minha Mão: Temas Afro Brasileiros e Questões Contemporâneas, em parceria com o artista plástico Rodrigo Siqueira. Trata-se de um livro e uma exposição, composta de 20 telas em óleo, que versam sobre a modernidade e as mudanças sofridas pelo candomblé, o sincretismo religioso e a contribuição africana para as ciências. A exposição fica em cartaz até o fim do mês, no na Biblioteca Pública do Estado. Nessa entrevista, Vilson fala sobre o projeto, preconceito e o legado dos Africanos.
Qual a contribuição africana para a ciência, a tecnologia e a medicina?
As civilizações africanas deixaram para as próximas gerações não apenas um conjunto de conhecimentos sobre o corpo, como também noções como as de infinito, genética e probabilidade. Inventamos também a escrita e nossos pais foram capazes de mapear todas as partes da terra. É esta história que temos que passar para as nossas crianças. Devemos contar para elas a trajetória de civilizações como as do Egito e tantas outras. Devemos falar para elas que não somos descendentes de escravos, mas de reis, rainhas, príncipes, princesas, artistas, médicos. Basta olharmos para a cidade que nos cerca. Em todas elas há o traço africanou ou um traço afro-brasileiro.
As pesquisas para este livro envolveram terreiros de todo o Brasil é um recorte dos terreiros baianos?
Mais do que isso, elas basearam nos relatos, histórias de vida e lembranças de anciãos e anciãs das religiões de matrizes africanas com os quais tenho convivido por quase 30 anos. Daí a riqueza de detalhes e histórias para fundamentar os textos.
É um livro que interessa ao público em geral ou o público alvo são os pesquisadores do tema?
É um livro que todos deveriam ler, inclusive as crianças. As ilustrações facilitam isso. Se os pesquisadores vão se interessar, isso é o que menos importa. A Academia esta sempre a procura de teses para contestar. Esse livro não foi escrito para isso, mas para falar sobre questões filosóficas, religiosas, sociais, éticas e outras que ao longo do tempo foram utilizadas para estigmatizar as religiões reorganizadas no Brasil a partir das tradições africanas.
Professor, o Sr. sente um crescimento do interesse das pessoas em conhecer as religiões africanas, e consequentemente, uma diminuição do preconceito em relação a elas?
Considero coisas distintas. Por exemplo, no final do século XIX havia um interesse por parte de alguns grupos em conhecer as religiões de matriz africana, ao mesmo tempo em que foi neste período que se constituiu dentro das chamadas Ciências Sociais uma serie de discursos racistas que nos chamavam de animistas e fetichistas. Precisamos ter na verdade uma mudança no nosso olhar sobre estas religiões. É verdade que nós, povo de axé, estamos falando mais sobre nós mesmos. É digno de nota a abertura que temos em alguns meios de comunicação, agora, vencer o racismo é ainda um de nossos principais desafios.
Por que o projeto se chama Na Palma da Minha Mão?Por que tudo nas religiões de matriz africana começa nas mãos, basta observarmos que é esfregando uma mão na outra que o sacerdote ou sacerdotisa evoca os orixás e é jogando os búzios sobre uma mesa que a nossa ancestralidade é revelada e assim por diante. O título surgiu ainda, observando o trabalho de Rodrigo Siqueira, que ilustra o livro, que assim que lia os artigos ia dando forma, cor, enfim vida, a escrita. Dai nasceu a idéia de Candomblé na palma da minha mão, significando que os conteúdos dessa religião esta ao alcance de todos. Por um descuido meu, desapareceu a palavra candomblé e ficou apenas: Na Palma da minha mão: tremas afro-brasileiros e questões contemporâneas. Rodrigo não gostou muito pois já há no mercado dois trabalhos com o mesmo nome. Então eu sorri e disse a ele, mas nenhum é igual ao nosso.