29 de mai. de 2011

O CANDOMBLÉ NO TEATRO

   Divulgação









Cena do espetáculo "Logun-Edé", do grupo Pé de Moleque
É raro ter à disposição um espetáculo,  um bom espetáculo que desvende para os leigos, sobretudo as crianças e os jovens, os mistérios do candomblé, a religião dos orixás, base da cultura africana. Pois o grupo Pé de Moleque, criado em São Paulo, em 2007, nos apresenta Logun-Edé,  Uma Pequena Yorubópera’, uma agradável ópera mestiça, ou um afro-concerto, ou simplesmente uma ‘yorubópera’, nas três definições da própria companhia, formada por atores e cantores líricos, principalmente da raça negra. 

Logun-Edé – explica o grupo – é uma das únicas divindades adolescentes do panteão africano, cultuadas no Brasil. Só isso já vale o voto de louvor e confiança ao espetáculo, que usa um raro personagem teen da cultura afro como alvo para fisgar o interesse justamente da platéia juvenil, tão pouco contemplada com espetáculos teatrais voltados para sua faixa etária e tão pouco interessada, nessa agitada época da vida, por qualquer cultura que seja diferente da sua ‘tribo’. Talvez seja a fase em que os preconceitos mais se revelam e se cristalizam. Daí a importância primeira desta peça, didática sem ser didática, informativa sem ser chata. Leve seus filhos para a experiência de conviver com as diferenças. 


O personagem de Logun-Edé (bem interpretado por Carlos Alberto Júnior) é riquíssimo pelo que contém de dubiedade, de potência de vida, de vontade de entender o mundo e suas origens, de busca de afirmação. É o orixá das contradições, em que os opostos se alternam: a sensibilidade e a bravura, o feminino e o masculino, a emoção e a razão. Nada melhor do que isso para falar a linguagem dos jovens, totalmente em fase de descobertas e definições, inclusive as sexuais. 

Vejam como a ‘fábula’ é rica em ambiguidades: Oxum, deusa das águas doces e cristalinas, do amor e da fertilidade das mulheres, engravida de Oxóssi, o viril orixá da caça e da alimentação. O destino do menino que nasce, Logun-Edé, é viver seis meses na água com a mãe e seis meses em terra com o pai caçador. Ele alterna esses dois lados opostos, inclusive vestindo saia quanto está com a mãe, detalhe que o espetáculo fez questão de mencionar, na cena em que o rapaz se disfarça de mulher para entrar numa festa proibida para homens. Logun-Edé cresce doce e benevolente como Oxum, forte e corajoso como Oxóssi. É por isso que muitos o consideram o deus da surpresa e do inesperado. É ou não é um tema essencialmente adolescente? 

O texto de Bruno Gavranic foi todo escrito em forma de libreto de ópera, em que as canções complementam as falas dos personagens, as letras cantadas acrescentam dados à história contada. Isso é muito difícil de criar, mas o autor não faz feio. Na direção, o convidado Dagoberto Feliz, mais freqüente nos espetáculos do grupo Folias, erra na mão apenas ao abrir o espetáculo, com um trecho introdutório muito longo, ou seja, estou querendo dizer que demora muito para que a peça entre na fábula em si, que é o melhor da história. Poderia ser mais curto e direto, não fosse o início demorado e desnecessário – ainda que este início contenha achados espertos, como o fato de os atores terminarem de ajeitar o cenário à vista do público, recurso de meta-linguagem e até de distanciamento brechtiano, que costuma funcionar muito bem com o curioso público adolescente. 

A atriz que faz Oxum, Mawusi Tulani, é linda, expressiva, com um rosto luminoso, um corpo que fala. Pena que seja a que mais desafina na hora de cantar, muito embora, diante de tantos acertos, isso fique quase irrelevante, ainda mais quando se pensa que o espetáculo não tem a menor obrigação de ser artificialmente ‘perfeito’ como os musicais da Broadway. Ao contrário. Seu frescor e sua virtude veem justamente dessa ‘imperfeição’ criativa. O surpreendente narrador loirinho, Leonardo Devitto, é ótimo. Faz um caçador engraçado, tem boa voz, presença desenvolta. 

A música composta por Di Ganzá mescla a tradição dos ritmos africanos com um tratamento de arranjos eruditos, sabiamente acompanhando essa linha ‘mestiça’ de um espetáculo que é todo voltado para a aproximação entre os opostos. Grande sacada. Em cena, cinco músicos fazem um carinho adicional à peça: André Fabiano (flauta), Éder Francisco (violão), Renato Antunes (cello), João Nascimento e Juliana Silva Najú (percussão). À certa altura, Oxóssi (Claus Xavier) proclama: “Convoco minha cor para se exaltar.” É a melhor frase, a que mais expressa a vontade do Grupo Pé de Moleque de divulgar a cultura afro. Vamos prestigiar. 

SERVIÇO: 
Teatro Imprensa – Sala Imprensa 
R. Jaceguai, 400, Bela Vista – Centro – Telefone:  (11) 3241-4203 begin_of_the_skype_highlighting            (11) 3241-4203      end_of_the_skype_highlighting  

Somente aos sábados, às 16 horas. 
R$ 30,00 (inteira) / R$ 15,00 (meia) 
Faixa etária recomendada pela produção: a partir de 6 anos

Articulista do BOM DIA, Ricardo Barreira escreve sobre o kit homofobia


Agência BOM DIA
A presidente Dilma Rousseff suspendeu nesta quarta-feira (25) a produção do chamado “kit homofobia”. As cartilhas e o material audiovisual que estavam sendo produzidos pelo Ministério da Educação com o intuito de educar as crianças sobre a questão da diversidade e da homofobia não agradaram à presidente.
O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, afirmou que Dilma assistiu a alguns vídeos do kit e não gostou do tom das produções.
A partir deste fato, o articulista do BOM DIA Ricardo Barreira, presidente da Federação Estadual de Umbanda e Candomblé, escreveu um artigo, que representa apenas sua opinião sobre o assunto. Segue o texto:
"Bons costumes Vamos garantir a prática dos bons costumes.” Perai! Bons costumes de quem? Os meus ou os seus? A presidente Dilma vetou a distribuição dos Kits contra homofobia por pressão dos deputados das bancadas evangélicas e católicas. Bancadas evangélicas e católicas?

Opa, pensei que o Estado fosse laico. Lugar de bancada religiosa é nas igrejas e nos templos, servindo de apoio aos joelhos dos fiéis.

Meu bom costume me faz pensar que já que os políticos são eleitos pelo povo, e o povo é quem paga os seus salários, então o povo é a verdadeira autoridade na sociedade. Vossa Excelência é um tratamento que todos os políticos eleitos deveriam usar para se dirigir a sua majestade, a população. Políticos que se acham, a gente vê por aí.

Então é o seguinte, caro carneirinho, ou você nasce branco, em família rica, é hétero, cristão e penteia o cabelo de lado, ou você está fora dos bons costumes. Nem adianta vir com esse papo de que paga seus impostos, que estamos em uma sociedade democrática, que para no sinal vermelho e atravessa na faixa de pedestre. Lembre-se do que realmente é considerado um bom costume.

Ser negro é um péssimo costume. Não ser cristão é um dos piores. Homossexualidade é um costume abominável. E quer saber a verdade profunda? Se você tem um destes horríveis costumes que eu citei, só existe uma forma de você não ser queimado na fogueira santa: ter dinheiro. Dos males o menor. Agora se nem isso você tem, você tem péssimos costumes e o inferno te aguarda.

O fato é que política é lugar de políticos. Não importa a crença individual de cada um. São pagos pelo dinheiro de toda a população, e não apenas desta igreja ou da outra.

Falemos de Bauru, cidade onde tudo acontece. Naturalmente que alguém que se negou a aprovar algo para uma religião não tentaria aprovar algo à outra.

Alguma coisa do tipo parecido com um dia em comemoração a uma igreja, não é? Claro que não. E é claro que nenhum empregado da população deixaria questões pessoais interferir nas decisões sobre políticas públicas que sustentam a sociedade democrática. Como uma lei que envolvesse a sigla LGBT, por exemplo. Não, não.

Eu duvido que os políticos de Bauru sejam capazes de contrariar a Constituição brasileira e privilegiar apenas uma orientação religiosa com um símbolo desta no parlamento. Imagina só se seriam capazes de ler passagens da Bíblia e abrir a sessão como se fosse uma missa.

Não, não fariam o povo se levantar para prestigiar um ato inconstitucional. E se algum fizesse os outros seriam contra, pois neste caso se você não é contra, é favorável. Agir de forma inconstitucional não é um bom costume, não é mesmo?

Sou contra esse papo que política não é profissão. Meu bom costume diz que empregados da população devem trabalhar para a população na mesma carga horária que a população tem como bom costume trabalhar, quando empregada.

E mais, tem que suar a camisa, estar comprometido e não fazer besteiras, senão o patrão, que é o povo, te manda embora. Ninguém quer políticos que pensam na cidade uma vez por semana. Nem funcionários despreparados.

Tudo bem, meu bom costume não conta nada. Continuemos carneirinhos, seguindo as ordens de nosso pastor."

(este texto representa apenas a opinião do autor)