21 de mar. de 2012

DOS PEQUENOS GESTOS, NASCEM OS GRANDES ''HERÓIS''

Eloi Ferreira de Araújo: Eliminar a discriminação contra negros


Há 52 anos, em 21 de março de 1960, cerca de vinte mil negros protestavam contra a lei do passe na cidade de Joanesburgo, na África do Sul. Lutavam contra um sistema que os obrigava a portar cartões de identificação que especificava os locais por onde podiam circular. Era uma das lutas contra o apartheid.

No bairro negro de Shaperville, os manifestantes se defrontaram com tropas de segurança daquele sistema odioso. O que era para ser uma manifestação pacífica se transformou em uma tragédia. As forças de segurança atiraram sobre a multidão, deixando 186 feridos e 69 mortos. Esse episódio ficou conhecido como o massacre de Shaperville.

Em memória às vítimas do massacre, em 1976, a ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Destacar esse acontecimento é importante para que nunca esqueçamos dessa face cruel do racismo, que não hesita em atirar em pessoas indefesas. Assim, há 36 anos, o dia 21 de março é um marco para a comunidade negra na luta contra o racismo e as discriminações. Ainda hoje, a influência do racismo impede que negros vivam em condições de igualdade com os não negros.

As ações afirmativas de cotas na universidade para os jovens negros, o Prouni, o programa de saúde para a população negra, o reconhecimento das terras dos remanescentes de quilombos, o combate à intolerância religiosa em face das religiões de matriz africana, entre outras ações, trazem para ordem do dia um pouco dos desafios que ainda temos de enfrentar para construir uma sociedade mais igualitária.

Contudo, podemos nos orgulhar pelos avanços dados nos últimos anos. Um deles foi a lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio das escolas pública e particular de todo o país.

Outro foi a lei 12.288, que dispõe sobre o Estatuto da Igualdade Racial. Essa é a primeira lei desde a abolição da escravidão que reúne inúmeras possibilidades para que o Estado brasileiro repare, de uma vez por todas, as desigualdades que são resquícios da escravidão.

A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 2011 como o ano internacional dos povos afrodescendentes. Buscou com isso que os Estados independentes concentrassem ações para reparar as desigualdades raciais.

Visto que foi insuficiente aquele período de tempo, instituiu a década dos afrodescendentes, que será lançada em dezembro de 2012.

É a hora do fortalecimento das ações pela igualdade em todos os países que tenham tido mão de obra escrava como base de seu desenvolvimento capitalista, algo que originou desigualdades raciais de natureza histórica.

O mundo é melhor com as diferenças e diversidades. Vamos continuar avançando na construção da cidadania e do acesso igualitário aos bens econômicos e culturais para negros, indígenas, ciganos e todos os segmentos minoritários da sociedade.

O massacre dos jovens negros de Shaperville será lembrado para sempre. A luta deles nos inspira a caminhar pela igualdade de oportunidades e por sociedades livres do racismo e do preconceito.


* Eloi Ferreira de Araújo é presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura

Fonte: Folha de S.Paulo

CINEMA NEGRO E SUAS MEMÓRIAS

Por Jacqueline Freitas

O presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Eloi Ferreira Araujo, acompanhado do diretor de Fomento à Cultura Afro-brasileira, Martvs das Chagas, e do representante regional do Rio de Janeiro e Espírito Santo, Rodrigo Nascimento, prestigiou o lançamento do DVD “Encontros de Cinema Negro Brasil, África e Caribe – Memórias 2007/2011”. O evento ocorreu no centro da cidade do Rio de Janeiro, na sexta-feira (9). O DVD é resultado de um convênio estabelecido entre a FCP/MinC e o Centro Afro Carioca de Cinema, presidido pelo ator e cineasta Zózimo Bulbul.

Na ocasião, também marcaram presença representantes de entidades negras, inúmeros artistas consagrados e novos talentos, não só do cinema, mas também do teatro e da TV. O Encontro de Cinema Negro tem reunido anualmente trabalhos do continente africano e suas diásporas, e o projeto do DVD consiste em uma seleção de filmes de diretores afro-brasileiros.

Em clima de confraternização, ao lado de Zózimo Bulbul e dos participantes do DVD, o presidente Eloi Ferreira de Araujo elogiou a iniciativa do curador dos Encontros e parabenizou os cineastas.

“Esta ponte cultural entre Brasil e África é uma espécie de convocação a um olhar da administração pública mais voltado para as artes visuais, especialmente, para o cinema negro. O Encontro de Cinema Negro, fruto do trabalho valoroso de Zózimo Bulbul e sua companheira Biza Vianna, é um exemplo de iniciativa que converge para os objetivos da Fundação Palmares, da Secretaria do Audiovisual e demais órgãos ligados ao Ministério da Cultura”, destacou.

O presidente ainda ressaltou que é importante dialogar e trabalhar para implementar, no ambiente da cultura, aquilo que dispõe o Estatuto da Igualdade Racial, no que diz respeito ao desenvolvimento de políticas públicas e ações afirmativas que contemplem a população negra. “ Parabéns ao Zózimo, a Biza, aos cineastas e artistas que possibilitam esse belo trabalho”, finalizou Eloi Ferreira.

Cronologia dos Encontros de Cinema Negro – A estreia, em 2007, voltou-se para filmes do Brasil e da África e reuniu 60 produções, entre curtas, médias e longas metragens. O primeiro Encontro foi dedicado a Ousmane Sembène, considerado “o pai do cinema africano”.

No ano seguinte, a mostra ampliou, incluindo filmes da América Latina e diversificou as atividades da programação. Estudantes de diferentes pontos do Rio de Janeiro e o público em geral passavam a participar de seminários e de oficinas que mostravam a História Negra e ensinavam a elaboração de roteiros e produção de cinema e vídeo. O homenageado foi o poeta brasileiro, Solano Trindade.

A terceira edição, em 2009, abrangeu as Américas, além de Brasil e África, homenageando o professor e diretor norte-americano Saint Clair Bourne, considerado um ícone do cinema negro por ter dado voz aos problemas raciais nos Estados Unidos.

O Encontro de 2010, incluiu o Caribe na programação e celebrou os 50 anos de independência dos países do oeste africano, consolidando sua posição entre os mais significativos eventos regulares de cultura negra produzidos no Brasil e sua trajetória internacional dos eventos dedicados ao tema.

O Encontro de Cinema Negro chegou à quinta edição, em 2011, consagrado não como um festival, que visa a competição, mas como um evento de intercâmbio cultural, conforme define seu idealizador, Zozimo Bulbul. “São filmes de grande qualidade que não terão exibição comercial no Brasil, e que também destacam o olhar de jovens cineastas”, afirma.
Chegada do público para a noite de lançamento do DVD, no Centro Cultural da Justiça Federal.

Axé para todos!!!

Igualdade Racial É Pra Valer!!!

MAIS UMA AFRONTA À CONSTITUIÇÃO E AOS DIREITOS COMUNS DO CIDADÃO

Brasília - DF 
No último dia 14 de março, o Conselho Curador da EBC realizou mais uma audiência pública para discutir a permanência, ou não, na programação da TV Brasil e da Rádio Nacional de Brasília dos programas católicos A Santa Missa e Palavras de Vida, vinculados à Arquidiocese do Rio de Janeiro, e do programa evangélico Reencontro, ligado à Igreja Batista, de Niterói. Os programas foram herdados da extinta Radiobras e da TVE do Rio e estão no ar há mais de 30 anos. A Rádio Nacional de Brasília, por exemplo, transmite a missa dominical, de orientação católica, desde a inauguração da cidade.
O debate envolvendo a transmissão dos programas religiosos teve início em 2009, a partir de comunicação do público à ouvidoria criticando a manutenção de programas de cunho religiosos na grade da TV Brasil. A primeira manifestação, que desencadeou o debate, chegou à ouvidoria no dia 21 de março de 2009, feita pelo telespectador Paulo Augusto Cunha Libânio, que dizia:
“A Constituição Federal de 1988 foi bem clara ao afirmar, em seu Artigo 19, Inciso 1, que 'é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: estabelecer cultos religiosos, subvencioná-los, embaraçar seu funcionamento ou manter com eles relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público'. Portanto, a existência de programas de cunho religioso na TV Brasil, uma emissora pública, é uma afronta à Constituição. Exijo, na condição de cidadão brasileiro, que a TV Brasil retire todos os programas de cunho religioso da sua grade de programação Caso contrário, caberá denúncia ao Ministério Público e, possivelmente, uma ação civil pública contra a TV Brasil. O Estado brasileiro é um Estado laico! Respeitem a nossa Constituição!”
Depois dessa, vieram outras manifestações públicas. Algumas reclamando da falta de pluralidade e outras pedindo a retirada dos cultos religiosos da programação da TV. Em março de 2010, o conselheiro Daniel Aarão Reis Filho chamou a atenção sobre a importância de se discutir a presença das religiões na TV Brasil, ao ressaltar que a religiosidade é uma dimensão absolutamente fundamental para o povo brasileiro, e sugeriu uma audiência pública sobre essa questão (ata da reunião do conselho no dia 30 de junho de 2010).
Em agosto de 2010, o Conselho Curador decidiu lançar edital de consulta pública para obter contribuições sobre a política de produção e distribuição de conteúdos de cunho religioso pelos veículos da EBC, considerando o Parecer nº 01/2010 da Câmara de Cultura, Educação, Ciência e Meio Ambiente do Conselho Curador, disponível na página eletrônica: www.ebc.com.br/conselho-curador/. A consulta foi concluída no mês de outubro e, ao todo, 141 contribuições de pessoas físicas e jurídicas serviram de base para o parecer da câmara recomendar a substituição dos programas que estavam sendo veiculados por outros em que a religiosidade no Brasil seria tratada de um ponto de vista plural, contemplando todas as religiões.
Depois de muitas discussões, o Conselho Curador aprovou, no dia 22 de março de 2011, a resolução apresentada pela câmara que determina que os programas religiosos devem sair do ar em setembro de 2011, ao mesmo tempo em que propõe que a Diretoria da EBC fique responsável por apresentar alternativas de programação, respeitando o critério de diversidade para compor a faixa religiosa na TV Brasil e nas rádios. De março a setembro, mês que se encerrariam as transmissões, a ouvidoria recebeu 87 reclamações, 2 a favor e 85 contra a decisão do Conselho Curador. Em setembro, uma semana antes de terminar o prazo, a Justiça Federal concedeu liminar à Arquidiocese do Rio de Janeiro garantindo a permanência dos programas na grade da Rádio Nacional de Brasília e da TV Brasil.
Até o dia da audiência, o impasse permaneceu, porque os programas ainda estão no ar por meio de ações de antecipação de tutela impetradas na Justiça Federal pela Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro e pela Igreja Batista de Niterói. Embora a audiência pública não tenha o poder de decidir sobre a permanência ou não dos programas religiosos na programação da TV e da rádio, pode contribuir para aprofundar o debate sobre a pluralidade de credos religiosos que compõem a nação brasileira em veículos públicos de comunicação. Na audiência do dia 14 de março, a ouvidoria aproveitou para recolher depoimentos de representantes de diversos credos religiosos, a fim de saber o que pensam sobre a questão.
Para a sacerdotisa da Igreja da Bruxaria (Abrawicca) Márcia Maria Bianchi, a audiência pública é imprescindível para que a sociedade participe e demonstre que as coisas não devem continuar como estão. “A decisão do Conselho da EBC de retirar da grade os programas religiosos confessionais, específicos de determinadas religiões, foi corretíssima e de acordo com a Constituição. Sendo uma emissora pública, os programas não podem ser bancados com o dinheiro público. Sobre isso, a Constituição é muito clara: o Estado não pode privilegiar nenhum tipo de culto, só pode abarcar coisas que contemplem toda a diversidade religiosa presente no povo brasileiro. O problema não é de quem são os programas, é haver qualquer programa que transmita cultos. Se fosse da minha religião também seria ilegal.”
O presidente da União Nacional das Entidades Islâmicas, Marcelo Salamuddin B. dos Santos, acredita que “se não houver a retirada dessa programação, que pelo menos isso propicie uma maior diversidade no sentido de se ouvir todos os segmentos religiosos. Achei a audiência pública extremamente boa, apesar de comentários lamentáveis que demonstram ainda uma grande intolerância religiosa”.
Já o cônego Marcos Bernardo, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, disse que a audiência pública foi enriquecedora, um momento de manifestação de maturidade. “Percebemos e temos consciência da pluralidade existente no Brasil, que deve ser mantida. Para a Igreja Católica, essa diversidade é enriquecedora. Por isso mesmo o nosso pedido de que haja mais espaço dentro de uma emissora pública para que as diferentes denominações se manifestem. Até mesmo para que aqueles que não professam a fé possam se manifestar. Acredito que fica um saldo muito positivo para a sociedade e, de modo especial, para a democracia brasileira.”
A presidente do Conselho Curador da EBC, Ana Fleck, acredita que o caminho agora é fazer uma sistematização dessas contribuições e encaminhar para o grupo consultivo embasar a proposta. “Nós temos uma reunião desse grupo consultivo no próximo dia 26 de abril para trabalhar em cima de propostas concretas. A resolução do conselho previu 120 dias para a conclusão dos trabalhos. Estamos trabalhando com esse horizonte. Se houver necessidade, prorrogaremos por mais um mês. Fiquei positivamente surpresa com o nível das contribuições e com a maturidade dos participantes. Evidentemente, alguns se sentiram um pouco incomodados, mas isso faz parte de um tema tão sensível e complexo, era de se esperar.”
O diretor do programa Reencontro, pastor Flávio Vieira Lima, da Igreja Batista de Niterói, achou a audiência pública excelente. “Eu disse para a ex-presidente do conselho, Ima Célia, e para a então presidente da EBC, Tereza Cruvinel, que o conselho começou errado. O que estamos fazendo hoje era o que deveria ter acontecido antes, há quase dois anos, em 2010. Mas tudo começa sempre por uma boa causa e chegou o momento, então, de colhermos as informações de todas as diversidades religiosas. E acho que as rádios devem ser inseridas nesse contexto, para no futuro fazermos a mesma coisa. Acho que o conselho tem que estudar o problema da TV e das rádios. Gostaria de alertar que o Congresso Nacional, por meio de várias representações, está de olho. Se a gente partir para um lado, digamos assim, de guerra religiosa, o Congresso vai ter que intervir, talvez até artigos da Constituição tenham que ser mudados para que se entenda a coisa. Falou-se aqui que existe perseguição religiosa, com pessoas morrendo no Brasil... Eu gostaria de saber quem são essas pessoas, sejam de qualquer religião, porque quero defendê-las.”
O conselheiro João Jorge Santos Rodrigues e presidente do grupo Olodum considerou a audiência um sucesso do ponto de vista de democratizar uma decisão que o Brasil precisa tomar. “A pluralidade religiosa é fundamental à modernização da comunicação do país. Ela não pode continuar sendo objeto de apenas um grupo, de um setor e, principalmente, com esses instrumentos tão importantes da comunicação sendo usados contra o candomblé, contra a umbanda, contra outras religiões. Há amadurecimento e compreensão disso, já saímos daquela fase do fanatismo que diziam que queriam acabar com os programas religiosos. Os brasileiros que não estavam até agora na grade da TV Brasil e da rádio não podem continuar a ficar de fora. A gente propõe é que quem tinha esse programa seja generoso e construa junto conosco outras formas de fazer isso. Será um exemplo para outras televisões, para os meios de comunicação, e dará oportunidade a milhões de brasileiros que não expressam suas religiões”.
Como vimos pelos depoimentos, a questão é polêmica e a EBC tem um grande desafio pela frente. Se, de um lado, a decisão for pela permanência dos cultos religiosos na programação, a EBC terá a tarefa de incluir outros segmentos religiosos. Neste caso, como ficará a programação da TV e da Rádio Nacional, já que existem hoje no Brasil mais de 100 religiões, segundo o último Censo do IBGE? Se, de outro lado, a solução for pela retirada dos cultos e a inclusão de um programa que discuta a religião do ponto de vista cultural, como pensar um formato sem que nenhum segmento religioso se sinta excluído?
Enfim, seja qual for o resultado dessa discussão, só o fato de o Conselho Curador convocar audiências públicas envolvendo diferentes setores da sociedade para discutir uma questão tão polêmica já reforça o compromisso da EBC com a comunicação pública. Se o sistema público de comunicação quiser de fato reforçar seu caráter público, tem que pensar uma possibilidade que mostre a religiosidade nas suas mais diversas visões. Caso contrário, estará cerceando uma discussão cultural do povo brasileiro, que é essencial.

O CANDOMBLÉ NA INFÂNCIA........

Rio -  Ao longo de 20 anos, Stela Guedes Caputo acompanhou a vida de crianças ligadas ao candomblé. Descobriu que, para escapar do preconceito religioso, algumas chegavam a inventar doenças para justificar a cabeça raspada. O resultado do trabalho está no livro “Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de candomblé”, que ela lançará, no dia 16, a partir das 18h30, no Museu da República, no Catete.


Foto: Élcio Braga / Agência O Dia




Como começou o livro?

Em 1992, quando era repórter de O DIA, fiz um levantamento sobre os terreiros da Baixada. A presença de crianças chamou minha atenção e me levou a estudar melhor o tema.

O que você descobriu?

Os entrevistados à época, crianças de 2 a 4 anos, hoje adultas, possuem filhos que passam pelo mesmo preconceito. Eles associam a discriminação da religião com a racial. Mesmo os brancos sofrem por professar uma religião de negros. A implantação da educação religiosa nas escolas só piorou a situação.

Como elas enfrentavam o preconceito?

Muitas preferiam se dizer católicas, só achei uma criança que revelava sua fé. No período de recolhimento para o santo, quando precisam raspar a cabeça, algumas chegam a dizer que estão com leucemia ou pegaram piolho. Hoje, graças a ações dos terreiros e de movimentos negros, várias passaram a assumir o credo, mas, infelizmente, a escola não tem ajudado no processo.   

(A entrevista completa está em www.tvodia.com.br).