O universo do candomblé está presente na vida de Iya Senzaruban  desde muito cedo. Nascida numa família de cultura tradicional do  candomblé, ela é filha de um ekede e de um ogã. Foi iniciada nesta senda  espiritual aos 7 anos e aos 14 anos tornou-se mãe-de-santo. Desde o  início dos anos 90 estuda técnicas da medicina alternativa como a  aromaterapia, acupuntura, fitoterapia, auriculoterapia, cromoterapia e  cristais. No Sri Lanka entrou no culto a Krishna e Shiva e acabou  descobrindo uma forma para substituir, em sua alimentação e nos rituais,  os animais e ingredientes de origem animal. Vegetariana há 25 anos,  atuante na área de saúde, ela é também responsável pelo Grupo Ile Iya  Tundé, entidade filantrópica que atua há 22 anos em Itanhaém, no estado  de São Paulo e que ministra cursos e atividades para a comunidade. Sua  experiência na renovação do candomblé está sendo relatada no livro que  escreve e pretende publicar sob o título de Candomblé Vegetariano. Nesta  entrevista à jornalista Cynthia Schneider, da ANDA, Yia Senzaruban fala  sobre sua experiência lactovegetariana, sua dedicação ao candomblé, sua  caminhada espiritual e a sintonia entre natureza e espiritualidade. 
ANDA – Como foi sua experiência de ter se tornado mãe-de-santo tão jovem e depois ter optado pelo vegetarianismo?
Iya Senzaruban – Eu já nasci dentro do santo. Fui iniciada aos 7 anos  e aos 14 já era mãe-de-santo. Depois disso andei em vários lugares, mas  no Sri Lanka foi uma experiência relevante por causa do vegetarianismo e  também porque eu me iniciei como devota de Krishna. E isto tudo criou  uma incompatibilidade, pois os devotos de Krishna e Shiva não comem  carne de jeito nenhum. Eles comem alguns produtos lácteos e derivados  como o queijo, porque a vaca é considerada sagrada. Mas não comem ovo,  nenhum outro produto animal sem ser derivado do leite. Desde pequena eu  não gostava de comer carne, então optar pelo vegetarianismo foi fácil.  Difícil foi conciliar as coisas. Eu levei muitos anos para poder  encaixar as duas coisas, que eu considerava muito bonitas. Além disso eu  já tinha muita gente que contava comigo pela minha situação religiosa.  Não poderia abandonar tudo no meio do caminho.
ANDA – Como foi esta transição para um candomblé vegetariano?
Iya Senzaruban – Eu estou escrevendo um livro a respeito do candomblé  vegetariano e também dou cursos e palestras sobre isto. Assim como eu,  tem muita gente que é do santo, que é do candomblé e que não gosta da  matança e se sente meio acuada. Tem gente que adora, gosta, ama os  orixás, admira o ritual que é muito bonito, muito completo, mas na hora  de participar de uma matança, “o bicho pega”. A proposta do  vegetarianismo no candomblé é fazer de uma outra forma, sem prejudicar o  tipo de energia que a gente trabalha, sem mudar muito. As mudanças são  muito poucas. Não são eliminados os elementos da natureza, que é o que o  candomblé trabalha, as forças da natureza. No livro que estou  escrevendo apresento as mudanças que vão desde a comida de santo, que  não usa nem camarão ou ovo, nada de origem animal. Mas demorou muito  tempo para chegar nisso. Passei a vida inteira dentro de um certo  contexto. Hoje já é mais fácil. Mas ainda tem adaptações a fazer, tem  hora que eu tenho que buscar outras soluções. Também não dá para buscar a  mesma energia, porque a energia de sangue é muito pesada. Ela traz  muita proteção mas ao mesmo tempo traz muita sujeira espiritual. Hoje em  dia eu procuro ter uma limpeza espiritual e conseguir a mesma coisa sem  ter que fazer uma matança: livrar as pessoas de problemas,  principalmente na área de saúde, de doenças graves. Como eu também sou  terapeuta, vejo muito por este lado, de saúde física, moral, espiritual e  psicológica. Meu trabalho como mãe-de-santo é bem voltado para a saúde.
ANDA – Você também trabalha com outras técnicas de terapias como a cromoterapia e acupuntura. Como isto ajuda no seu trabalho?
Iya Senzaruban – Hoje em dia os pais-de-santo estão muito mais  cultos. É uma nova época dentro do candomblé. As pessoas estão buscando  mais conhecimento, trabalham em outras coisas, não dependem mais  financeiramente do candomblé como eram os antigos pais-de-santo, que só  viviam para isso. Então ficava muito restrito. Toda religião precisa  evoluir, senão fica estagnada e morre.
ANDA – Dentro do contexto religioso é mais difícil a aceitação da mudança?
Iya Senzaruban – A respeito da matança, eu acho que os meus  filhos-de-santo que já têm casa vão aproveitar muito mais esta situação  renovada e talvez daqui a 10 anos a gente tenha alguma resposta. Isso  porque há uma restrição muito séria a respeito disso. Mas aos poucos eu  acredito que a gente vai atingindo as pessoas. Afinal, alguém tem que  começar, né?
ANDA – Dá para perceber o quanto você está sendo pioneira.
Iya Senzaruban – Isso é porque eu sou filha de Iansã, e Iansã  arrebenta tudo. Ela é a minha guerreira, ela derruba mesmo os tabus, os  preconceitos. Mas fora a situação de matança, os pais-de-santo têm menos  tradicionalismo hoje. Eles são abertos a outras coisas, à busca das  raízes, das ervas, de estudos sobre determinados orixás que a maioria  não conhecia ainda, mas com uma mente diferente, porque já têm mais  cultura. A maioria hoje tem terceiro grau completo e isso faz alguma  diferença.
ANDA – Como você relaciona o vegetarianismo e a espiritualidade sob este enfoque profissional na área de saúde?
Iya Senzaruban – Matar os animais é algo que espiritualmente não faz  bem, pois você está tirando a vida e depois comendo cadáveres. Não é  nada sadio espiritualmente falando. Além disso, principalmente o frango e  os animais que se compram em supermercados estão cheios de hormônios.  Um frango hoje em dia, de um pintinho para um frango demora três dias.  Isso é um absurdo. Imagine o que isto não causa dentro do organismo da  pessoa. E ainda afeta a psique, porque são drogas injetadas por tabela.  Não adianta você não fumar, não beber, não tomar psicotrópicos e acabar  consumindo por tabela quando consome a carne. O efeito é o mesmo. Isso  faz também com que cada vez mais as pessoas tenham câncer e outras  doenças. O vegetarianismo, ao contrário, é muito bom. É certo que muitas  verduras são contaminadas, mas mesmo assim já não faz tanto mal, pois  não atinge a aura da pessoa. E com isso ainda tem tantas opções, como os  grãos. Eu mesma como muito poucas verduras. O que como mais são  legumes, tubérculos, grãos e doces. Inclusive, quando eu dou aulas sobre  a comida vegetariana, apresento excelentes opções simples e tão mais  baratas! Com um quilo de carne dá para fazer um almoço para quatro  pessoas. Com o mesmo dinheiro de um quilo de carne, na cozinha  vegetariana, dá para fazer o almoço, o jantar e outro almoço no dia  seguinte para quatro pessoas. O vegetarianismo é um estilo de vida para o  bolso, para a saúde mental, espiritual e psicológica, pois tudo está  ligado. Se você come um alimento saudável, vai ser uma pessoa saudável  mentalmente também. Te dá ânimo para fazer exercícios, você se torna uma  pessoa mais doce. Geralmente quem é vegetariano não bebe, não fuma, é  uma consequência sine qua non. Vai limpando o seu corpo. E ainda tem  mais: a pele fica bonita, o cabelo também, não tem barriga, não tem  celulite…
ANDA – Há quanto tempo você adotou o vegetarianismo no seu trabalho? E  como as pessoas percebem o seu engajamento por esta opção?
Iya Senzaruban – Eu já sou vegetariana há 25 anos e levo o candomblé  vegetariano há quase 17 anos. As pessoas, principalmente as mais jovens,  se interessam mais. Eu vejo também que quem mais se interessa pelo  vegetarianismo é o tipo de pessoa mais intelectual, geralmente artistas,  profissionais que se destacam em várias áreas. Eu percebo bem que eles  têm uma consciência muito maior. Fora isto há outros grupos que já levam  isto como uma realidade. Há alguns colegas meus, na medicina, que  também têm trabalhos nesta área. Mas é muito diferente falar para uma  pessoa que ganha um salário por mês – e que não são poucas, infelizmente  é a realidade majoritária no nosso país – aí é muito difícil de  atingir. Eu tenho esta sorte de conseguir atingir muita gente neste  nível, por exemplo, ensinando a fazer a farofa multimistura para a  alimentação ficar mais completa. Ensino a fritar a casca de batata, usar  a casca de banana, trabalho já há muito tempo com isso. Porque muita  gente acha que só a carne alimenta, eles têm esta educação falha. Eu  consigo atingir também este público, mas é muito difícil encontrar quem  se proponha a trabalhar assim. Eu percebo que o vegetarianismo é uma  coisa mais elitizada, sim: financeira e culturalmente. O vegetariano é a  pessoa que teve uma cultura mais elevada e que tem dinheiro. Mas com o  meu trabalho como mãe-de-santo eu consigo atingir outras classes mais  sofridas, de gente que vive com um salário, paga o aluguel e ainda tem  três ou quatro filhos. Esta é uma área de atuação maior. Também tenho  uma entidade filantrópica, o Grupo Ilê Iya Tundê, que fica em Itanhaém e  já tem 22 anos, que me permite ir ensinando. Lá também ensinamos  terapias, danças, capoeira e culturas de origem afro, além de cursos  profissionais. Tem muitos outros grupos de várias crenças que inclusive  utilizam este espaço para fazer entrega de mantimentos e outras  atividades para a comunidade.
ANDA – O que pretende o candomblé vegetariano?
Iya Senzaruban – Eu sou uma mãe-de-santo e não estou aqui para  questionar a situação de ninguém. Nasci numa situação tradicionalíssima e  não posso negar de onde eu vim. Para algumas pessoas isso é o que  serve. Para mim não serve mais. A minha função, assim como para quem se  sente nesta situação, é encontrar uma nova forma de louvar os orixás sem  ofender os outros seres vivos. Eu acho que é uma demonstração de boa  vontade para com Deus.