5 de jan. de 2011

Arranjador de hits de Ivete Sangalo monta orquestra inspirada no candomblé

Ivete Sangalo com o saxofonista, percussionista e arranjador Letieres Leite.
Ivete Sangalo com o saxofonista, percussionista e arranjador Letieres Leite. (Foto: Divulgação)
Ivete Sangalo talvez não tivesse se tornado a estrela pop da axé music sem a ajuda de Letieres Leite, 50. Percussionista e saxofonista que acompanha a cantora há 12 anos, o músico baiano foi o responsável pelos arranjos de muitos sucessos da morena, incluindo “Festa”, “Empurra-empurra”, “Tô na rua” e “Abalou”. Enquanto se prepara para acompanhar a musa no carnaval – com apresentações que vão de sexta (12) à próxima terça-feira em Salvador – o artista divulga o lançamento do primeiro álbum de sua Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz.
No projeto, a mesma matéria-prima presente nos álbuns de Daniela Mercury e Olodum, por exemplo, é usada para compor um repertório instrumental que remete à obra do músico pernambucano Moacir Santos. “Como arranjador de vários grupos na Bahia [Olodum, Daniela Mercury, Timbalada e Cheiro de Amor entre eles], para mim a questão rítmica sempre foi uma preocupação", diz Letieres. "Na Rumpilezz, eu preferi procurar algo a partir do universo percussivo baiano. Tudo vem do candomblé, de uma maneira ou de outra. Nós somos formados de várias nações, e essa mistura criou um grupo rítmico extremamente original. A mistura feita no Brasil é única.”
Formada por 19 músicos, a big band deve retornar a São Paulo para apresentações em março, depois da maratona carnavalesca, já que um dos maiores desafios de tocar com Ivete Sangalo é acompanhar o pique da cantora nesta época do ano. “Geralmente tocamos seis horas direto, sem parar. Começamos às 13h e vamos até as 19h, em pé. Às vezes saímos com a perna inchada, um pouco baqueados. Mas esse é o nosso ‘fitness’, e eu já fiz muitos carnavais. Tem que ter um preparo físico”, afirma o artista, praticante de luta marcial.
O músico baiano Letieres Leite e sua Orkestra Rumpilezz. (Foto: Divulgação)
Em uma de suas apresentações mais recentes ao lado de Ivete, Letieres teve a oportunidade de conhecer a cantora norte-americana Beyoncé. "Entregamos a ela um disco da Rumpilezz. Me disseram que ela tem a mente aberta para vários gêneros musicais."

Principalmente por causa do axé, Salvador é um ambiente fértil, e a maioria dos músicos tem conhecimento rítmico, segundo Letieres. Os componentes da Orkestra Rumpilezz (cinco percussionistas e 14 instrumentistas de sopro, da tuba à flauta) tocam com grandes artistas baianos, como Carlinhos Brown, ou são percussionistas ligados aos terreiros de candomblé, responsáveis pela música no momento da cerimônia. O nome da banda, aliás, vem dos três atabaques do candomblé (rum + rumpi + lé) somados aos dois “zz” da palavra jazz.
“Entregamos um disco da Rumpilezz para a Beyoncé”
Letieres Leite começou a “alinhavar as primeiras ideias” no tempo em que estudava no Konservatorium Franz Schubert, em Viena, na Áustria, onde morou por seis anos. De volta ao Brasil, montou uma escola chamada Academia de Música da Bahia, onde começou a desenvolver suas pesquisas. “Foi quando consegui unir os dois mundos – a tradição dos terreiros com o aprendizado no conservatório”, diz.
“A Orkestra Rumpilezz surgiu dessa pesquisa e as pessoas estão vendo o universo percussivo da Bahia com outros olhos. A música alternativa, que não gera um grande negócio, não dá um grande retorno, sempre existiu. Mas nos últimos quatro anos está havendo o surgimento de uma cena consistente em Salvador que vai da sonoridade do Rumpilezz ao rock, a exemplo de grupos como Cascadura e Retrofoguetes. Ainda está um pouco tímida, mas a tendência é crescer. Acho que é natural haver um desgaste [no universo da axé music.”
Mantendo a conexão direta com a África e ao mesmo tempo sob um tratamento harmônico totalmente novo, o álbum homônimo de Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz foi mixado no lendário estúdio Legacy, em Nova York, por Joe Ferla, que já trabalhou com Miles Davis, Herbie Hancock e John Mayer.
“Um amigo botou o disco para tocar, o Joe passou por perto e perguntou o que era. Ele achou que fosse um grupo afro-cubano, depois pensou que fosse algo da Nigéria. Esse amigo deu uma cópia para ele e uma semana depois recebi o convite para fazer a mixagem”, conta. “Ele conseguiu manter tudo sem a interferência de efeitos, e o resultado final ficou bem fiel ao que imaginávamos. Foi como um conto da Cinderela.”

CANDOMBLÉ VEGETARIANO ?!?!?!



O universo do candomblé está presente na vida de Iya Senzaruban desde muito cedo. Nascida numa família de cultura tradicional do candomblé, ela é filha de um ekede e de um ogã. Foi iniciada nesta senda espiritual aos 7 anos e aos 14 anos tornou-se mãe-de-santo. Desde o início dos anos 90 estuda técnicas da medicina alternativa como a aromaterapia, acupuntura, fitoterapia, auriculoterapia, cromoterapia e cristais. No Sri Lanka entrou no culto a Krishna e Shiva e acabou descobrindo uma forma para substituir, em sua alimentação e nos rituais, os animais e ingredientes de origem animal. Vegetariana há 25 anos, atuante na área de saúde, ela é também responsável pelo Grupo Ile Iya Tundé, entidade filantrópica que atua há 22 anos em Itanhaém, no estado de São Paulo e que ministra cursos e atividades para a comunidade. Sua experiência na renovação do candomblé está sendo relatada no livro que escreve e pretende publicar sob o título de Candomblé Vegetariano. Nesta entrevista à jornalista Cynthia Schneider, da ANDA, Yia Senzaruban fala sobre sua experiência lactovegetariana, sua dedicação ao candomblé, sua caminhada espiritual e a sintonia entre natureza e espiritualidade.
ANDA – Como foi sua experiência de ter se tornado mãe-de-santo tão jovem e depois ter optado pelo vegetarianismo?
Iya Senzaruban – Eu já nasci dentro do santo. Fui iniciada aos 7 anos e aos 14 já era mãe-de-santo. Depois disso andei em vários lugares, mas no Sri Lanka foi uma experiência relevante por causa do vegetarianismo e também porque eu me iniciei como devota de Krishna. E isto tudo criou uma incompatibilidade, pois os devotos de Krishna e Shiva não comem carne de jeito nenhum. Eles comem alguns produtos lácteos e derivados como o queijo, porque a vaca é considerada sagrada. Mas não comem ovo, nenhum outro produto animal sem ser derivado do leite. Desde pequena eu não gostava de comer carne, então optar pelo vegetarianismo foi fácil. Difícil foi conciliar as coisas. Eu levei muitos anos para poder encaixar as duas coisas, que eu considerava muito bonitas. Além disso eu já tinha muita gente que contava comigo pela minha situação religiosa. Não poderia abandonar tudo no meio do caminho.
ANDA – Como foi esta transição para um candomblé vegetariano?
Iya Senzaruban – Eu estou escrevendo um livro a respeito do candomblé vegetariano e também dou cursos e palestras sobre isto. Assim como eu, tem muita gente que é do santo, que é do candomblé e que não gosta da matança e se sente meio acuada. Tem gente que adora, gosta, ama os orixás, admira o ritual que é muito bonito, muito completo, mas na hora de participar de uma matança, “o bicho pega”. A proposta do vegetarianismo no candomblé é fazer de uma outra forma, sem prejudicar o tipo de energia que a gente trabalha, sem mudar muito. As mudanças são muito poucas. Não são eliminados os elementos da natureza, que é o que o candomblé trabalha, as forças da natureza. No livro que estou escrevendo apresento as mudanças que vão desde a comida de santo, que não usa nem camarão ou ovo, nada de origem animal. Mas demorou muito tempo para chegar nisso. Passei a vida inteira dentro de um certo contexto. Hoje já é mais fácil. Mas ainda tem adaptações a fazer, tem hora que eu tenho que buscar outras soluções. Também não dá para buscar a mesma energia, porque a energia de sangue é muito pesada. Ela traz muita proteção mas ao mesmo tempo traz muita sujeira espiritual. Hoje em dia eu procuro ter uma limpeza espiritual e conseguir a mesma coisa sem ter que fazer uma matança: livrar as pessoas de problemas, principalmente na área de saúde, de doenças graves. Como eu também sou terapeuta, vejo muito por este lado, de saúde física, moral, espiritual e psicológica. Meu trabalho como mãe-de-santo é bem voltado para a saúde.
ANDA – Você também trabalha com outras técnicas de terapias como a cromoterapia e acupuntura. Como isto ajuda no seu trabalho?
Iya Senzaruban – Hoje em dia os pais-de-santo estão muito mais cultos. É uma nova época dentro do candomblé. As pessoas estão buscando mais conhecimento, trabalham em outras coisas, não dependem mais financeiramente do candomblé como eram os antigos pais-de-santo, que só viviam para isso. Então ficava muito restrito. Toda religião precisa evoluir, senão fica estagnada e morre.
ANDA – Dentro do contexto religioso é mais difícil a aceitação da mudança?
Iya Senzaruban – A respeito da matança, eu acho que os meus filhos-de-santo que já têm casa vão aproveitar muito mais esta situação renovada e talvez daqui a 10 anos a gente tenha alguma resposta. Isso porque há uma restrição muito séria a respeito disso. Mas aos poucos eu acredito que a gente vai atingindo as pessoas. Afinal, alguém tem que começar, né?
ANDA – Dá para perceber o quanto você está sendo pioneira.
Iya Senzaruban – Isso é porque eu sou filha de Iansã, e Iansã arrebenta tudo. Ela é a minha guerreira, ela derruba mesmo os tabus, os preconceitos. Mas fora a situação de matança, os pais-de-santo têm menos tradicionalismo hoje. Eles são abertos a outras coisas, à busca das raízes, das ervas, de estudos sobre determinados orixás que a maioria não conhecia ainda, mas com uma mente diferente, porque já têm mais cultura. A maioria hoje tem terceiro grau completo e isso faz alguma diferença.
ANDA – Como você relaciona o vegetarianismo e a espiritualidade sob este enfoque profissional na área de saúde?
Iya Senzaruban – Matar os animais é algo que espiritualmente não faz bem, pois você está tirando a vida e depois comendo cadáveres. Não é nada sadio espiritualmente falando. Além disso, principalmente o frango e os animais que se compram em supermercados estão cheios de hormônios. Um frango hoje em dia, de um pintinho para um frango demora três dias. Isso é um absurdo. Imagine o que isto não causa dentro do organismo da pessoa. E ainda afeta a psique, porque são drogas injetadas por tabela. Não adianta você não fumar, não beber, não tomar psicotrópicos e acabar consumindo por tabela quando consome a carne. O efeito é o mesmo. Isso faz também com que cada vez mais as pessoas tenham câncer e outras doenças. O vegetarianismo, ao contrário, é muito bom. É certo que muitas verduras são contaminadas, mas mesmo assim já não faz tanto mal, pois não atinge a aura da pessoa. E com isso ainda tem tantas opções, como os grãos. Eu mesma como muito poucas verduras. O que como mais são legumes, tubérculos, grãos e doces. Inclusive, quando eu dou aulas sobre a comida vegetariana, apresento excelentes opções simples e tão mais baratas! Com um quilo de carne dá para fazer um almoço para quatro pessoas. Com o mesmo dinheiro de um quilo de carne, na cozinha vegetariana, dá para fazer o almoço, o jantar e outro almoço no dia seguinte para quatro pessoas. O vegetarianismo é um estilo de vida para o bolso, para a saúde mental, espiritual e psicológica, pois tudo está ligado. Se você come um alimento saudável, vai ser uma pessoa saudável mentalmente também. Te dá ânimo para fazer exercícios, você se torna uma pessoa mais doce. Geralmente quem é vegetariano não bebe, não fuma, é uma consequência sine qua non. Vai limpando o seu corpo. E ainda tem mais: a pele fica bonita, o cabelo também, não tem barriga, não tem celulite…
ANDA – Há quanto tempo você adotou o vegetarianismo no seu trabalho? E como as pessoas percebem o seu engajamento por esta opção?
Iya Senzaruban – Eu já sou vegetariana há 25 anos e levo o candomblé vegetariano há quase 17 anos. As pessoas, principalmente as mais jovens, se interessam mais. Eu vejo também que quem mais se interessa pelo vegetarianismo é o tipo de pessoa mais intelectual, geralmente artistas, profissionais que se destacam em várias áreas. Eu percebo bem que eles têm uma consciência muito maior. Fora isto há outros grupos que já levam isto como uma realidade. Há alguns colegas meus, na medicina, que também têm trabalhos nesta área. Mas é muito diferente falar para uma pessoa que ganha um salário por mês – e que não são poucas, infelizmente é a realidade majoritária no nosso país – aí é muito difícil de atingir. Eu tenho esta sorte de conseguir atingir muita gente neste nível, por exemplo, ensinando a fazer a farofa multimistura para a alimentação ficar mais completa. Ensino a fritar a casca de batata, usar a casca de banana, trabalho já há muito tempo com isso. Porque muita gente acha que só a carne alimenta, eles têm esta educação falha. Eu consigo atingir também este público, mas é muito difícil encontrar quem se proponha a trabalhar assim. Eu percebo que o vegetarianismo é uma coisa mais elitizada, sim: financeira e culturalmente. O vegetariano é a pessoa que teve uma cultura mais elevada e que tem dinheiro. Mas com o meu trabalho como mãe-de-santo eu consigo atingir outras classes mais sofridas, de gente que vive com um salário, paga o aluguel e ainda tem três ou quatro filhos. Esta é uma área de atuação maior. Também tenho uma entidade filantrópica, o Grupo Ilê Iya Tundê, que fica em Itanhaém e já tem 22 anos, que me permite ir ensinando. Lá também ensinamos terapias, danças, capoeira e culturas de origem afro, além de cursos profissionais. Tem muitos outros grupos de várias crenças que inclusive utilizam este espaço para fazer entrega de mantimentos e outras atividades para a comunidade.
ANDA – O que pretende o candomblé vegetariano?
Iya Senzaruban – Eu sou uma mãe-de-santo e não estou aqui para questionar a situação de ninguém. Nasci numa situação tradicionalíssima e não posso negar de onde eu vim. Para algumas pessoas isso é o que serve. Para mim não serve mais. A minha função, assim como para quem se sente nesta situação, é encontrar uma nova forma de louvar os orixás sem ofender os outros seres vivos. Eu acho que é uma demonstração de boa vontade para com Deus.

OS OLHARES EXTERNOS

Entre o social e o grafite O artista norte-americano Joel Bergner percorre o mundo com seu trabalho destinado principalmente às comunidades carentes

Nahima Maciel

Joel Bergner/Divulgação

Bergner : "Minha inspiração é o mural, mas como isso não é conhecido por aqui, digo que sou grafiteiro"






O encanto do artista norte-americano Joel Bergner com o Brasil é o mesmo que já o levou a El Salvador, Colômbia, Cuba e República Dominicana: quando há trabalho social e histórias de culturas arraigadas para contar ele gosta de estar presente. No Rio de Janeiro, passou um tempo na Cidade de Deus. Morava com uma família local e desenvolvia trabalhos em pintura mural pela favela. Na Bahia, fez o mesmo com o candomblé. E em Brasília, percebeu a confluência de culturas antes de sair a pintar os muros de cidades como Gama, Ceilândia, Samambaia e São Sebastião. Ficou hospedado nesta última, na casa do também artista Gersion. “Fiz pinturas sobre a cultura daqui, do Nordeste. Aqui tem muitas pessoas do Brasil inteiro, então colocamos de tudo, samba, coisas do Nordeste.”

Bergner também ficou surpreso com a forte conexão entre o grafite brasiliense e o hip-hop. “Foi muito interessante ver que aqui é como lá nos Estados Unidos”, compara, em português perfeito, aprendido entre a Cidade de Deus e a Bahia. Além das quebradas brasilienses, o artista também circulou pelos templos da elite da cidade e, na manhã da última terça-feira, promoveu o encontro entre alunos da Escola Americana de Brasília e do Centro de Ensino Médio nº 1, de São Sebastião. Juntos, os estudantes pintaram murais sobre a diversidade. É um dos temas preferidos de Bergner.

Na verdade, o artista se identifica mais com a arte mural do que com o grafite. É na herança da pintura mural mexicana dos anos 1920, quando Diego Rivera e José Clemente Orozco traçavam a história de opressão das classes desfavorecidas nas paredes das ruas da Cidade do México, que Bergner encontra respaldo para a prática de hoje. “Meu trabalho tem inspiração na pintura mural, mas como aqui não é muito conhecido, digo que sou grafiteiro”, explica.

Candomblé

O artista ouviu falar na Cidade de Deus pela primeira vez em 2007, nos Estados Unidos, durante um encontro com rapper MV Bill. Em 2009, desembarcava no Rio para trabalhar com a Central Única das Favelas (Cufa) e dar aulas de inglês e grafite para crianças. Com a comunidade, pintou os muros de uma igreja no qual misturavam personagens da favela e cenas bíblicas. Na Bahia, se concentrou nas figuras do candomblé. Ao voltar aos Estados Unidos, Bergner decidiu contar a trajetória da família que o hospedou na favela carioca. A história de Felipe — um mural no qual o garoto aparece rodeado pela família e pela violência — ilustra hoje um muro da cidade de Whashington. Em São Francisco, ele pintou a Bahia. Sob o sol dos orixás e Um olhar nas ruas da Bahia trazem cenas cotidianas de festas afro e da capital baiana.

São obras muito coloridas, com narrativas claras e personagens que contam histórias. Para Bergner, os muros são espaços democráticos e podem ajudar as populações que não têm voz a narrar suas trajetórias. “Os murais ficam nas ruas, sempre em lugares de movimento e as mensagens são fortes. É uma oportunidade para pessoas que não são da arte mas têm mensagens importantes.” Imigração, guerras civis, violência doméstica e pobreza são temas sempre presentes.

Em Maryland, ele pintou o Mural global dos refugiados com a ajuda de pessoas que deixaram seus países por conta de guerras e em Washington fez o Mural afrocolombiano, com participação de imigrantes colombianos. De fronteira a fronteira, pintado em São Francisco, fala sobre a República Dominicana, terra de muitos expatriados hoje radicados nos Estados Unidos, e Através das olas, em Baltimore, traça a saga comum das ondas de imigração latina. El Salvador e Cuba também receberam os murais do artista. Agora, Bergner descansa em Salvador antes de retomar à cruzada global contra a pobreza, batalha na qual luta armado de tintas, pincéis e histórias de gente em situação de risco.


O muro contra a burgesia

Diego Rivera estudou na Academia de Bellas Artes de San Carlos, no México, e, graças a uma bolsa de estudos, partiu para a Europa, onde ficou de 1907 até 1921. Lá teve contato com muitos pintores da época, como Pablo Picasso, Salvador Dalí, Juan Miró e o arquiteto catalão Antoni Gaudí, que influenciaram a sua obra. Juntamente com José Clemente Orozco e David Siqueiros criou o movimento muralístico mexicano. Eles acreditavam que só mesmo o mural poderia redimir artisticamente um povo que esquecera a grandeza de sua civilização pré-colombiana durante séculos de opressão estrangeira e de espoliação por parte das oligarquias nacionais culturalmente voltadas para a metrópole espanhola. Assim como os outros muralistas, considerava a pintura de cavalete burguesa, pois em maior parte dos casos as telas ficavam confinadas em coleçõ es particulares. Foi casado com a pintora mexicana Frida Kahlo.

A FORÇA PRÓPRIA DO CANDOMBLÉ

Festejo aos orixás no Terreiro de Pai Adão
Davi Lira
Especial para o JC Online
O candomblé sobrevive até hoje porque não quer convencer as pessoas sobre uma verdade absoluta. Para o etnólogo com sangue baiano Pierre Verger, falecido em 1996, ao contrário da maioria das religiões, esse culto de origem afro-brasileira, com mais de quatro séculos de história, confere certo grau de dignidade aos descendentes de escravos como nenhum outro rito.
"O que eu acho é que na Bahia há um certo prestígio e orgulho em ser negro, por causa do candomblé". Segundo Verger isso pode ter a ver, inclusive, com o fato dessa religião ser também admirada pelos brancos. Sem perder de vista, é claro, e não deixando de considerar toda a essência ritualística e da vasta riqueza dessa tradição iorubá (grupo étnico da África Ocidental que influenciou o candomblé local).
De acordo com os organizadores da 4ª caminhada dos terreiros de matriz africana e afro-brasileira do Estado, ocorrida no dia 4 de novembro no Marco Zero do Recife - proposta com o objetivo de lutar contra a intolerância religiosa, depois da Bahia, Pernambuco é o segundo estado com maior contingente de negros do País. O Estado ainda é autoproclamado como o de maior população de candomblé, umbanda e jurema (outros dois ritos de matriz africana); e como um dos estados de maior culto no País dessas religiões.
"Somente aqui existem cerca de 800 terreiros vinculados à Abycabepe, que tem como ponto central o Museu da Abolição da Madalena (Zona Oeste do Recife)", afirma o presidente da Associação dos Babalorixás e Yalorixás dos Cultos Afros do Estado de Pernambuco, Manoel do Nascimento Costa, o pai de santo do Terreiro de Pai Adão. Segundo "Papai", como é conhecido, somente ligado diretamente à Casa de Água Fria existem cerca de 65 pessoas, todas descendentes de populações quilombolas e com ancestrais africanos vivendo no mesmo terreiro. Todos participando efetivamente da rotina de reverências às divindades sagradas, que não são diárias, na verdade, acabam sendo bem ocasionais.
No candomblé não existe vida pós-morte e tudo é guiado por uma lei de santo. São regras de conduta, principalmente a ser cumprida dentro dos terreiros, que não estão contidas em nenhum tipo de livro sagrado, e que podem variar de terreiro para terreiro. "Apesar desse aspecto difuso, as práticas estão completamente fundamentadas em uma rica mitologia transmitida de geração a geração", afirma o pesquisador da Universidade de São Paulo, Armando Vallado, a partir de um amplo estudo sobre o tema, que vincula a forte hierarquia dos terreiros aos conflitos que surgem nas estritas regras que são impostas aos filhos de santo, tudo em nome da fé nos orixás, invocados principalmente através das cantigas de xirês durante os festejos religiosos (os toques).

O CANDOMBLÉ E A OCIDENTALIZAÇÃO

Umbanda e candomblé na europa

Pais-de-santo profissionalizam os rituais afros e expandem a prática pelo Velho Continente

Carina Rabelo
Comportamento
Umbanda e candomblé na europa
Pais-de-santo profissionalizam os rituais afros e expandem a prática pelo Velho Continente

Carina Rabelo, de Berlim (Alemanha)
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Desde que foi convidado, há 19 anos, para ministrar aulas de dança afro numa escola em Berlim, na Alemanha, Murah Soares, 38 anos, criado e iniciado num terreiro de candomblé na Bahia, é surpreendido por alunos que lhe pedem a bênção após as coreografias. Daí nasceu a convicção de que tinha um terreno fértil para difundir sua crença entre os alemães. Em 4 de dezembro de 2007, Murah oficializou o Ilê Axé Oyá, o primeiro terreiro de candomblé na Alemanha com as bases religiosas do Brasil. Em julho deste ano, ele foi reconhecido oficialmente após a bênção da Mãe Beata, de Nova Iguaçu (RJ), uma das mais respeitadas do Brasil. Assim como Murah, muitos pais-de-santo e mães-de-santo escolheram a Europa para desenvolver e plantar o culto aos caboclos e orixás.
A receptividade dos europeus à diversidade de manifestações culturais e religiosas é fomentada pela presença maciça de imigrantes no Velho Continente. Segundo a Eurostat, comissão que divulga as estatísticas da Europa, em 2007 o continente tinha mais de 1,8 milhão de imigrantes legais, o triplo de 1994, quando eram 590 mil. Diante do desafio de dialogar com a pluralidade cultural que invade as ruas, a Europa revela um interesse crescente pela diversidade, pelo exótico, pela identidade e pela religião das outras nações.
Em 1974, de carona na onda do esoterismo, surgiram os primeiros terreiros de umbanda e candomblé na Europa, ainda reduzidos às práticas de magia. A partir do sucesso internacional dos trabalhos do fotógrafo e escritor francês Pierre Verger, pilar da difusão do candomblé pelo mundo, começaram os festivais multiculturais e de fomento ao intercâmbio de estudantes e pesquisadores entre Brasil e Europa. Assim, a dança e a musicalidade dos cultos afros se tornaram o ponto de partida para o interesse pela religião.
“Na Europa, há mais tolerância do que no Brasil, onde os cultos ainda sofrem os ataques dos evangélicos. Na Alemanha, ela é vista com respeito, admiração e curiosidade”, diz Murah, que também é presidente da ONG Fórum Brasil, que promove a difusão da cultura brasileira através de workshops e seminários. O Ilê Axé Oyá, em atividade há seis anos, reúne 300 alemães e imigrantes nas festividades religiosas.

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Enquanto o candomblé e a umbanda se popularizaram no Brasil pelas magias, curas e benefícios imediatos, os europeus se interessaram pelo aspecto antropológico dessas religiões. “Os europeus têm curiosidade pelos fundamentos teóricos e a história dos cultos. O que os motiva também na iniciação é a resposta imediata na comunicação com as entidades, o que não ocorre nas demais crenças. Eles sabem que o orixá está ouvindo”, comenta o pai-de-santo italiano Mário Quintano, 40 anos, presidente da Associazione per la Diffusione del Candomblé, na Itália. Após a iniciação no Brasil, Mário se mudou para Arborio, na região do Piemonte, onde administra há oito anos o terreiro de candomblé Ilê Asé Alaketu Ayrá.
No Velho Mundo, algumas adaptações devem ser feitas para garantir o bom convívio com a comunidade local. Áustria, Alemanha e Suíça, por exemplo, rejeitam a centralização do comando religioso numa única figura. “Procuro diminuir a hierarquia no meu terreiro para que todos se sintam incluídos e conscientes do que ocorre lá”, comenta a psicoterapeuta austríaca Astrid Habiba Kreszmeier, 44 anos, que adotou o nome Habiba de Oxum Abalo, após ser iniciada no Brasil pelo pai-desanto Carlos Bubby, em São Paulo. Há dois anos, Habiba fundou o terreiro Terra Sagrada na cidade de Graz, na Áustria, com filiais na Suíça, em Zurich, e na Alemanha, em Landsberg.
Entre as adaptações estão as modificações no culto, que devem estar de acordo com a legislação européia (leia quadro). Thales Fonseca, 29 anos, que se intitula Comandante Chefe do Terreiro Umbanda Temple, fundado em maio de 2007, em Londres, na Inglaterra, reconhece a rigidez das leis e considera algumas delas benéficas para a religião. “Aqui, se alguém discrimina o outro pela fé, vai parar na cadeia. A ação da polícia é muito rápida para coibir a intolerância religiosa.” Criado por uma fervorosa evangélica e freqüentador assíduo dos cultos protestantes, ele recebeu críticas quando decidiu ser iniciado na umbanda aos 15 anos. “As entidades disseram que eu deveria trazer a religião para os ingleses, que estão carentes de um trabalho espiritual gratuito. Foi quando descobri o meu caminho”, afirma.
Pesquisadores da religião reconhecem a expansão dos cultos afros na Europa, mas são reticentes em considerar que o interesse dos europeus tem um engajamento verdadeiramente religioso. “O candomblé e a umbanda são tão curiosos para eles como a capoeira, os atabaques e a dança folclórica. É um interesse pela diversidade cultural, como ocorre com a world music. Teriam a mesma empolgação pela manifestação cultural dos aborígines australianos, por exemplo”, pondera o sociólogo Flávio Pierucci, da Universidade de São Paulo. Com ou sem legítimos praticantes, o fato é que o candomblé e a umbanda já não são mais vistos como “macumba” no Velho Continente.