11 de set. de 2011

ONDE ESTÁ O RESPEITO DA TRADIÇÃO ???


Baianas lutam para ganhar licença da prefeitura e vender acarajé nas ruas do Rio

11/09/2011 | 11h19min

  O baiano Jay do Acarajé faz sucesso em Copacabana Foto: Marcelo
O baiano Jay do Acarajé faz sucesso em Copacabana Foto: Marcelo
Eles já deliciaram a sensual Dona Flor, de Jorge Amado.      Rechearam versos de Dorival Caymmi.  “Ninguém quer saber o trabalho que dá”, cantou o poeta da alma baiana. Mas podem sumir das ruas do Rio. Nascido na culinária africana, onde os quitutes fritos no óleo quente são chamados de bolas de fogo (akàràs), os acarajés floresceram nas mãos das baianas de Salvador. Eram as oferendas para a deusa dos raios, Iansã, nos terreiros de candomblé. Essas mulheres envoltas em torsos de renda e batas bordadas — patrimônio tombado da cultura brasileira — agora lutam na prefeitura por uma licença para trabalhar nas calçadas do Rio.
De acordo com a coordenadora geral da Associação de Baianas de Acarajé do Rio (Abam-RJ), Analys, a Nêga do Acarajé, a entidade luta para regularizar as 25 profissionais filiadas. Aliás, os 25. Porque o preconceito não cabe no tabuleiro de acarajé.
Ele tem pano da costa, balangandã e bata bordada, como exigiu Caymmi no clássico “O que que a baiana tem?”. Herdeiro de uma família de baianas do acarajé de Salvador, o soteropolitano Jair Batista de Jesus, o Jay do Acarajé, é capaz de atrair uma legião de apaixonados pelo quitute. Ele luta há dois anos para obter licença. Não consegue.
— É uma humilhação trabalhar no Rio — desabafa.
A coordenadora de Salvaguarda do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Tereza Paiva Chaves, explica que todo o ofício de baiana é registrado como patrimônio cultural brasileiro — das roupas ao tabuleiro:
— A existência de homens é vista como evolução do ofício, que enfrenta dificuldade para regularização no país. É preciso se adequar à legislação das cidades. As baianas merecem respeito.
No passado, as regras não eram tão duras. A associação das baianas guarda licença de 1979, concedida a Dona Gilca, dona do tabuleiro que alimentou gerações de roqueiros em frente ao Circo Voador nos anos 80: “A portadora da carteira tem o direito de ambular, andar, vender quitutes da Bahia, balas, doces e salgados em seu tabuleiro de acarajé, de acordo com o decreto lei 1.601 de 1978, artigo 31”. Atualmente, a lei não é mais assim.
De acordo com a Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), o ofício de baiana consta na lei 1.876, de 29 de junho de 1992, chamada de Lei do Ambulante. Segundo nota divulgada pela prefeitura, a Seop não proíbe a venda de acarajés prontos, “previamente embalados e preparados”, e, sim, “o preparo do acarajé em via pública, já que existem questões sanitárias envolvidas nesta situação”. Apenas alguns alimentos são exceção a essa regra, como pipoca, algodão doce, amendoim, milho verde, churros, sanduíches em geral e cachorro-quente, que podem ser preparados nas ruas, segundo a Vigilância Sanitária.
Mas, para quem entende, vender acarajé embalado é pecado pior do que jogar bolinhas de gude nas escadarias durante a lavagem do Bonfim.
— Aracajé não é sanduíche embalado. É cultura, tradição. Faz parte que seja feito na hora, com o cliente vendo, sentindo o cheiro do dendê. Embalado, não venderia um — encerra, horrorizado, Jay.
Theobald / Extra 

Clarissa Monteagudo