Júlio Amaral |
Espaço para todos: Coordenador do Memorial Zumbi acredita que as cotas ajudam a reparar injustiças históricas |
Volta Redonda
A assinatura de um decreto pelo governador Sérgio Cabral (PMDB) no último dia 6, que estabelece reserva de 20% das vagas em concursos públicos do estado do Rio a candidatos que se autodeclararem negros ou indígenas, está dividindo a opinião de estudantes que se preparam para concursos públicos em Volta Redonda.
A medida - que levará o nome do ex-senador Abdias do Nascimento, um dos pioneiros do movimento negro no Brasil e recentemente falecido - passará a vigorar 30 dias após a sua publicação e será válido por dez anos, sendo inserida no conjunto de projetos e políticas de promoção da igualdade racial pelo Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes.
A estudante do quarto ano de Direito Luciene Allemand, de 31 anos, está há três anos estudando em um curso preparatório para tentar um cargo público e é a favor do sistema de cotas para negros e índios, e concorda com o decreto do governador fluminense.
- Sou a favor do decreto estabelecendo as cotas, porque quando o poder público elabora este sistema ele está querendo reparar uma série de injustiças cometidas há anos em nosso país, apesar das cotas tirarem vagas de quem se preparou para um concurso - opinou.
Para Luciene, o ideal seria investir na educação pública, mas isso levaria muito tempo para obter resultado.
- Tenho amigos que foram beneficiados pelo sistema de cotas que não teriam condições de concorrer com os demais postulantes para entrar em uma faculdade. Também acredito que, ainda hoje, algumas pessoas tenham dificuldade de ascender profissionalmente no mercado de trabalho por discriminação racial e não só por falta de preparo - explicou.
O outro lado
Ao contrário de Luciene, a estudante Bruna de Oliveira Araújo, de 24 anos - e que desde janeiro está frequentando um curso preparatório para analista -, é contra o sistema de cotas por achar que todos devem ter chances iguais em concurso público.
- Acho que todos são iguais, independente da cor da pele, e devem ter a mesma chance em um concurso público. Conheço pessoas que entraram pelo sistema de cotas e que eram irmãos gêmeos e somente um foi aceito, por isso acho que ainda há falhas. Outro item que não concordo é a questão da pessoa ter que se autodeclarar negra ou índia, pois pode atrapalhar o acesso de um aluno que seja realmente negro ou índio. O sistema de cotas pode resolver o problema da inclusão das camadas menos favorecidas a princípio, mas acho que a solução seria investir mais na educação pública para melhorar o nível dos estudantes - defendeu.
Para o bacharel em Direito Lourival Luiz Ribeiro, que está se preparando há dois meses para a prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - e se declara negro -, o sistema de cotas não é a solução para que negros e índios tenham mais acesso a vagas em concursos e até em universidades.
- Como negro eu discordo desse decreto, porque acredito que a disputa por um cargo público tem que ser igual para todos, negros ou não. Enquanto isso, os políticos que estão ocupando os cargos públicos usam este sistema de cotas como forma de se autopromover, não pensando nas minorias. O que falta é dar condições iguais para todos, negros, indígenas e brancos, falta o governo investir mais na educação pública e na saúde - criticou.
Para Lourivaldo, hoje em dia não existe discriminação no mercado de trabalho: um negro com doutorado teria a mesma chance que um branco na mesma condição.
- Acho que o negro, aos poucos, vem ganhando espaço na política e no mercado de trabalho - afirmou.
‘Dificuldades ainda existem'
Para Sérgio Gabriel dos Anjos, o Bri, coordenador do Memorial Zumbi dos Palmares e presidente do Conselho Municipal de Políticas e Promoção da Igualdade Racial, as cotas na educação e no mercado de trabalho são necessárias para que o negro e o índio consigam ter o seu status de cidadão. O estatuto da igualdade racial, que foi promulgado em 2010, preconiza em um dos seus artigos que os governos federal, estadual e municipal forneçam mecanismos para restabelecer a dignidade do povo afrobrasileiro.
Sérgio alerta que todos devem lembrar que existiu no Brasil a Lei Áurea, que estabeleceu o fim da escravidão no país há 123 anos, mas que esta não veio acompanhada de qualquer outra medida reparatória para os ex-escravos.
- O negro brasileiro foi durante muito tempo estereotipado como feio, burro e outras coisas mais. Com isso, desenvolveu-se dentro da sociedade brasileira um pensamento equivocado sobre a contribuição africana. A sociedade ainda não conseguiu desvencilhar-se desse pensamento estereotipado e trazer para si a contribuição social, econômica e política dos africanos e seus descendentes para os dias de hoje. Diante dessa situação é preciso tomar providências com medidas compensatórias, como é o caso do sistema de cotas, que venham ajudar a colocar o negro em seu lugar de direito, como protagonista da história do povo brasileiro - defendeu.
Com relação ao fato do estudante ter que se autodeclarar negro ou indígena para o sistema de cotas, o coordenador do Memorial Zumbi lembrou que muitos têm em sua árvore genealógica antepassados negros ou índios não conhecidos, e que o sistema de cotas viria resgatar esta identidade esquecida.
- Apesar dos avanços do negro na sociedade, nós ainda vamos encontrá-lo em um grande percentual de insignificância nos diversos locais de atividades sociais, daí a necessidade de se ter instrumentos legais como as cotas para incluir esses grupos. Apesar de um ligeiro progresso, os negros ainda encontram dificuldades para serem contratados em determinados empregos. Também é preciso investir mais na educação pública e privada, e que os conteúdos da história africana e afrobrasileira estejam presentes no currículo escolar - finalizou.
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