"Quem me conheceu antes, no período da doença e me vê hoje fica surpreso. Foi muita diferença, bastante, eu perdi muito peso mesmo, fiquei muito debilitado", contou Ranfly dos Reis, técnico em radiologia.
Durante um ano, ele seguiu à risca dois tratamentos: o da medicina tradicional, com todos os remédios indicados, e o do candomblé, com seus banhos de ervas e rituais.
"Já recebi alta do tratamento. Não tomo mais o medicamento. A tuberculose sumiu. Até a glândula que eu tinha no pescoço, enorme, não precisei operar, ela sumiu", revelou Ranfly.
O oráculo não é um simples jogo de adivinhação. O pai ou a mãe de santo devem estudar muito para entender os conceitos do candomblé. Pai Elson precisou de sete anos para completar sua formação.
Luciene foi pedir socorro porque entrou em depressão diante de uma suspeita de câncer de ovário. O pai de santo observa atentamente o que os búzios têm a dizer. E define um tratamento para ela seguir junto com as recomendações médicas.
"Três dias de banho, tá vendo? Esse aqui é o seu começo. Após cada banho você vai acender uma vela pro seu anjo da guarda, vestir roupas claras e não vai estar se expondo nas ruas, nada disso. E o primeiro banho seu vai ser lá no terreiro, e depois você começar esses daí", disse Pai Elson.
O novo caminho de Luciene começa no Mercado das Sete Portas, um dos mais movimentados de Salvador. É como se fosse uma farmácia onde se pode comprar os remédios receitados pelos orixás.
Para os sacerdotes dos terreiros, pais e mães de santo, as folhas e as ervas têm um grande poder terapêutico nos tratamentos recomendados pelo candomblé. Mas elas só funcionam se forem associadas a uma boa dose de fé. Aquela fé que encoraja, que ajuda o espírito a enfrentar as doenças.
Por apenas R$ 5, Luciene conseguiu todas as folhas da receita. Num mercado especializado como esse, dificilmente alguém vai embora sem levar tudo o que está na lista.
“O povo do candomblé consome muito isso, porque antes de fazer qualquer tipo de trabalho, a pessoa toma o banho pra poder limpar o corpo. E depois do banho vai partir para o trabalho", afirmou o comerciante Odilon dos Reis.
No dia seguinte, Luciene vai a pé para o terreiro. Ela mora na mesma cidade, Simões Filho, na região metropolitana de Salvador.
Orientada por uma filha de santo, ela segue rigorosamente todas as obrigações ritualísticas antes do banho de folhas.
Cantigas na língua dos orixás. Pipoca para afastar os maus espíritos. Durante todo o banho de descarrego, Pai Elson reza pedindo a cura.
"A partir de agora os caminhos pra ela estariam abertos, é isso?”, perguntou o repórter.
“De minha parte. Agora ela vai precisar continuar com a fé porque ela tem alguns banhos pra tomar na residência, e retornar ao médico pra repetir alguns exames que normalmente eu indico", respondeu Pai Elson.
O tratamento espiritual do candomblé tem o poder de renovar a auto-estima e afastar as energias negativas de quem procura ajuda nos terreiros. Sem influências negativas, o paciente fica mais fortalecido para enfrentar o que tiver que ser feito num tratamento médico. Essa é uma das principais conclusões da pesquisa do professor Fábio Lima, antropólogo da Universidade Federal da Bahia.
"O candomblé é um parceiro da medicina. Da mesma forma que é o espiritismo, que é o catolicismo. Mas o que difere nos terreiros de candomblé é que o tratamento é muito mais efetivo porque se dá de modo afetivo. Então, as mães de santo e os pais de santo acolhem essas pessoas acometidas de qualquer problema de saúde de modo muito mais amoroso", disse Fábio Lima.
"Saio mais disposta. Esse tratamento no candomblé funciona. Se você tiver fé, funciona. Eu tenho fé. Mas não vou deixar o tratamento médico não. Tem que continuar”, afirmou Luciene Santana, empregada doméstica.
Quem vê João Pedro não imagina o que ele já passou. A mãe teve toxoplasmose no final da gravidez. O filho foi salvo na maternidade à base de antibióticos e corticóides. Mas num caso assim, dificilmente a criança escapa de lesões no cérebro e graves problemas de visão.
"E o candomblé ajudou muito. E minha fé também. Porque não adianta você estar numa religião e não acreditar. Eu acreditei muito, tive muita força do meu esposo, que me dava força, e de meu pai Elson, principalmente", contou Heloísa Santos, professora de educação física.
O tratamento, nesse caso, foi todo com a mãe. E a infecção gravíssima do bebê desapareceu três meses depois do nascimento.
"O médico me disse semana passada que eu fiz uma consulta, Heloisa, ele teve realmente a infecção. Suspendeu todos os medicamentos dele, não precisa fazer o medicamento durante um ano. Está quase curado”, disse Heloisa.
É, é só olhar para o bebezão.
Em dia de festa no terreiro, o salão fica lotado. Quem pode, vem agradecer e reverenciar os orixás. Há quem precise cumprir determinadas obrigações. É o que Ranfly faz desde que se tornou um filho de santo.
Mas a maior autoridade da casa é de Pai Elson. Nada acontece nesse terreiro sem a autorização dos deuses africanos que ele incorpora.
"Essa dança é justamente os pontos de invocações a essas energias. A cada orixá nós temos um tipo de dança. Que é simbólico ao procedimento, como eles procederam, como eles agiram em sua época", revelou Pai Elson.
A herança dos orixás está à disposição de quem precisar de ajuda. E o caminho é o mesmo das outras correntes que buscam a cura no mundo espiritual.
"Em todos os momentos, em todos os locais, o cosmo faz essa conexão conosco. Mas a gente precisa ter confiança e fé. E se eu tenho confiança e fé em mim, eu tenho tudo o mais que está ao meu redor, então, eu conquisto sim", afirmou o babalorixá.
Reportagem exibida na Rede Globo por JOSÉ RAIMUNDO
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