ENTREVISTA CONCEDIDA À TERESINHA BERNARDO DA REVISTA ''REVER''
Meu nome é Teresa Bernardo, jornalista da revista REVER (revista de estudos da religião), LIVRE DOCENTE DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E COORDENADORA DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA PUC/SP.
Estou hoje em Praia Grande, para realizar uma entrevista com a Yìàlórixà, Cíntia D'Óxùn, onde, para entendermos um pouco melhor sobre as relações religiosas e o poder feminino, traremos à tona, toda a abordagem possível e permissível.
Rever : Olá Cintia, boa tarde. Antes de mais nada, gostaria de agradecer à Sra., por nos receber tão carinhosamente, e, abrir as portas para mais esta entrevista, que mais será uma espécie de troca de informações, propriamente dito.
Yìà Cintia : Para mim é e sempre será um prazer, poder de alguma forma estar contribuindo, seja dentro do axé, seja por pesquisas ou informações que leve adiante não só o nome do ORIXÁ, como também o melhor entendimento às pessoas de um modo geral.
Rever : O feminino no poder. Nos dias de hoje, isto já não é surpresa nenhuma, mas, qual seu ponto de vista sobre a mulher como Sacerdotisa, em pleno século XXI ?
Yìà Cintia : Bem, em todas as sociedades conhecidas, sempre foi o homem à deter todos os poderes religiosos. É ''ele'' quem sempre fez as mediações entre ''os outros'' e os ''Deuses'', porém, estamos falando de hierarquia, entre os séculos XVIII / XIX, quando as mulheres negras começaram a surgir na Bahia, como Sacerdotisas centrais dos templos de uma expressão religiosa denominada Candomblé.
Para explicar minha opinião nos dias de hoje, procuro enaltecer a trajetória das mulheres negras, sentido África - Brasil, mostrando suas relações sócio-econômica-culturais, onde dentro da própria história do orixá, ocorreu com minha Mãe Óxùn, que desde a sua época já deteve o poder perante aos orixás masculinos.
Rever : A Sra. já viajou para a África, já conheceu o continente africano ?
Yìà Cintia : Ainda não tive este prazer, mas, também em relação ao Orixá, não me causa curiosidades, porque conheço pessoas que foram e se arrependeram.
Rever : Esta pergunta anterior, é para que eu possa entender, de onde vem o seu conhecimento, que me parece ótimo, sobre os Orixás, fundamentos e tudo mais ?
Yìà Cintia : Bem, eu creio numa força extraordinária e suprema, que me dá uma condição especial de todos os entendimentos, embora é claro, eu tenha aprendido muita coisa ao decorrer do tempo, trocando experiências com meus zeladores, mas, a força maior é do Orixá, senão, eu não poderia ter condições de cuidar de inúmeras ''cabeças'' (destinos) diferentes.
Rever : Voltando na questão do poder feminino, na sua opinião, a que se deve tamanha expansão diante da hierarquia ? Como foi possível quebrar vários tabus ?
Yìà Cintia : Como eu disse a princípio, basta retroceder na história e ver que o homem é quem detia o poder, em sua maioria, porém, como explica Pierre Verger em um de seus livros, ainda na África as mulheres sempre foram as melhores comerciantes nas feiras, mostrando a capacidade de administração, além de grandes comerciantes, sendo que nestes mercados, comparadas aos homens as mulheres são a maioria, dentro deste conceito, creio que se deu o início à uma mutação sobre o poder.
Rever : Pelo que me consta, a Sra. é Yìàkékéré no Ilê Axé de seu marido, e, além disso é também a presidente de uma Federação Espírita. A Sra. poderia descrever algo sobre essas condições ? Como a Sra. concilia as coisas em sua vida ?
Yìà Cintia : Sim, sou a mãe pequena na casa de meu marido, Ilê Axé Ogùn Emi Ida Ajaxé, onde também sou a presidente da Federação que leva o mesmo nome. O que eu posso descrever à você ? Minha vida, é uma vida normal, como qualquer outra pessoa, porém, existe uma correria um pouquinho maior que algumas mulheres: Acordo às 06:00 da manhã, levo as crianças à escola, retorno, cuido da minha casa (roupa, comida, etc...), nos dias que tem função no barracão (seg./ ter./ sex.), vou para lá, fora disto, meu marido e eu fazemos as visitações, resolvemos problemas burocráticos, etc..., não é tão difícil conciliar as coisas, desde que se tenha organização.
Rever : Ao que sei, sua Federação aqui na Praia Grande trabalha no âmbito social, é isso ?
Yìà Cintia : Sim, é isso mesmo. Nossa Federação além de ser uma entidade religiosa não se limitou à isto. Trouxemos uma expansão em nosso Estatuto, que nos permite ser como uma ''O.N.G.'', onde não só em Praia Grande, mas, em todo o território nacional, podemos trabalhar, como fazemos já; com o lado social, cultural, econômico. Estamos abrindo este final de mês (29/01), nossa sub-sede em São Paulo, zona sul, e, para o meado deste ano, estaremos presentes também no Rio de Janeiro. Tudo isto, numa tentativa de levar um pouco de solidariedade à crianças e famílias carentes.
Rever : Isto demonstra novamente o poder feminino ?
Yìà Cintia : Neste caso não. Digo isto porque o fato de trabalharmos desta forma, está representando a realização de um sonho, que sempre achei possível, mas, distante. No entanto, eu devo dizer que não cabe somente à mim, pois, tenho pessoas ao meu lado, que jamais poderia deixar de agradecer, principalmente é claro, ao meu Orixá. Mas, é óbvio que diante ao exposto, no século passado por exemplo, isto seria poder.
Rever : Se não for indiscrição minha, a Sra. poderia me dizer sua idade ?
Yìà Cintia : É claro que digo, tenho 30 anos de idade.
Rever : Com quantos anos a Sra. se iniciou no Candomblé ?
Yìà Cintia : Eu na verdade conheci o Candomblé através do meu marido, que já é Sacerdote do Culto Afro há 33 anos, isto tem 11 anos atrás, mas, 7 anos atrás me iniciei na ''casa'' de Jailson de Xangô (ojù obà Barù), aqui mesmo em Praia Grande.
Rever : Gostaria de fugir um pouco do assunto ''poder'', para lhe perguntar qual seu conceito de religião afro-descendente nos dias de hoje ? Como a Sra. encara esse Sacerdócio ?
Yìà Cintia : Você quer que eu seja realista, ou quer que eu lhe dê uma resposta só para você escrever ? (rsrsrsrsrs)(muitas risadas).
Eu vou lhe responder da seguinte maneira: Como eu lhe disse antes, eu conheci o Candomblé pelo meu marido, SANTANA D'ÓGÙN, que é uma pessoa com um profundo conhecimento em todas as áreas do culto afro; isto em princípio, já me deu respaldo suficiente, afinal, são 34 anos de ''santo feito''. É lógico que ele me ensinaria muita coisa sobre a religião, uma vez que eu também iria me iniciar, então, para dizer a verdade à você, o meu conceito sobre a religião, os Orixás nos dias de hoje e sempre, são inabaláveis, porém, o ''pseudo-sacerdócio'' deixa muito aquém e além do que seria dentro de uma realidade, mesmo para um século XXI como o que vivemos.
Talvez, quando alguém me disser; o Orixá calçou sapatos, eu viverei uma nova realidade, enquanto isto não ocorrer, eu viverei na realidade dos meus Orixás.
Rever : Parece-me que toquei em algo que lhe irritou, ou é impressão minha ?
Yìà Cintia : Não; não é impressão. Sei que você é uma antropóloga, certo ? Então eu perguntaria à você: Será que a sua faculdade não lhe cobra nada ? Será que seus livros não lhe custam nada ? Você leva um tempo danado para se formar em sua faculdade, gasta tempo, dinheiro, noites de sono, para chegar até aqui com suas pesquisas, suas perguntas, etc...; amanhã chega alguém aqui que não é diplomado em nada, querendo fazer o mesmo trabalho que você, e, talvez se achando melhor que você. Eu creio que você também se irritaria; não é ?
Rever : É por isso que a Sra. disse ''pseudo-sacerdócio'' ?
Yìà Cintia : Sim, minutos atrás o que eu queria me referir dizendo sobre o pseudo-sacerdócio, é justamente sobre o fato de haver muitos e muitos ''Pais e Mães-de-santo, que se quer é ''feito'' (iniciado), se quer tem o devido tempo, que é os 7 anos de iniciação, fator este, ''fundamental'' para que este venha ter seu nome registrado na história do Candomblé (dentro do correto é claro, não como ''marmoteiro''), como tantos que se encontram nos anais à exemplo; os que vem da CASA BRANCA /BA.
Hoje, qualquer um, até pela ''internet'', já é ''Pai ou Mãe-de-Santo''.
Qualquer pessoa que tenha passado por todos os preceitos devidos, ficaria irritado, ou diria até mais, indignado, em ver tanta hipocresia em nome do ORIXÁ.
Rever : Gostaria de lhe pedir, que pudessemos dar continuidade ainda à esta entrevista, que realmente está ótima, só que abordando outros temas, que também são polêmicos, tanto quanto este que a Sra. acaba de relatar, gostaria de poder ter maiores informações.
Yìà Cintia : É claro que sim, como eu disse à princípio, é sempre um prazer poder de uma forma ou outra contribuir.
Leia a segunda parte desta entrevista cedida por Mãe Cíntia D'Oxùn, à REVISTA REVER
Rever : Olá Cintia, boa tarde. Antes de mais nada, gostaria de agradecer à Sra., por nos receber tão carinhosamente, e, abrir as portas para mais esta entrevista, que mais será uma espécie de troca de informações, propriamente dito.
Yìà Cintia : Para mim é e sempre será um prazer, poder de alguma forma estar contribuindo, seja dentro do axé, seja por pesquisas ou informações que leve adiante não só o nome do ORIXÁ, como também o melhor entendimento às pessoas de um modo geral.
Rever : O feminino no poder. Nos dias de hoje, isto já não é surpresa nenhuma, mas, qual seu ponto de vista sobre a mulher como Sacerdotisa, em pleno século XXI ?
Yìà Cintia : Bem, em todas as sociedades conhecidas, sempre foi o homem à deter todos os poderes religiosos. É ''ele'' quem sempre fez as mediações entre ''os outros'' e os ''Deuses'', porém, estamos falando de hierarquia, entre os séculos XVIII / XIX, quando as mulheres negras começaram a surgir na Bahia, como Sacerdotisas centrais dos templos de uma expressão religiosa denominada Candomblé.
Para explicar minha opinião nos dias de hoje, procuro enaltecer a trajetória das mulheres negras, sentido África - Brasil, mostrando suas relações sócio-econômica-culturais, onde dentro da própria história do orixá, ocorreu com minha Mãe Óxùn, que desde a sua época já deteve o poder perante aos orixás masculinos.
Rever : A Sra. já viajou para a África, já conheceu o continente africano ?
Yìà Cintia : Ainda não tive este prazer, mas, também em relação ao Orixá, não me causa curiosidades, porque conheço pessoas que foram e se arrependeram.
Rever : Esta pergunta anterior, é para que eu possa entender, de onde vem o seu conhecimento, que me parece ótimo, sobre os Orixás, fundamentos e tudo mais ?
Yìà Cintia : Bem, eu creio numa força extraordinária e suprema, que me dá uma condição especial de todos os entendimentos, embora é claro, eu tenha aprendido muita coisa ao decorrer do tempo, trocando experiências com meus zeladores, mas, a força maior é do Orixá, senão, eu não poderia ter condições de cuidar de inúmeras ''cabeças'' (destinos) diferentes.
Rever : Voltando na questão do poder feminino, na sua opinião, a que se deve tamanha expansão diante da hierarquia ? Como foi possível quebrar vários tabus ?
Yìà Cintia : Como eu disse a princípio, basta retroceder na história e ver que o homem é quem detia o poder, em sua maioria, porém, como explica Pierre Verger em um de seus livros, ainda na África as mulheres sempre foram as melhores comerciantes nas feiras, mostrando a capacidade de administração, além de grandes comerciantes, sendo que nestes mercados, comparadas aos homens as mulheres são a maioria, dentro deste conceito, creio que se deu o início à uma mutação sobre o poder.
Rever : Pelo que me consta, a Sra. é Yìàkékéré no Ilê Axé de seu marido, e, além disso é também a presidente de uma Federação Espírita. A Sra. poderia descrever algo sobre essas condições ? Como a Sra. concilia as coisas em sua vida ?
Yìà Cintia : Sim, sou a mãe pequena na casa de meu marido, Ilê Axé Ogùn Emi Ida Ajaxé, onde também sou a presidente da Federação que leva o mesmo nome. O que eu posso descrever à você ? Minha vida, é uma vida normal, como qualquer outra pessoa, porém, existe uma correria um pouquinho maior que algumas mulheres: Acordo às 06:00 da manhã, levo as crianças à escola, retorno, cuido da minha casa (roupa, comida, etc...), nos dias que tem função no barracão (seg./ ter./ sex.), vou para lá, fora disto, meu marido e eu fazemos as visitações, resolvemos problemas burocráticos, etc..., não é tão difícil conciliar as coisas, desde que se tenha organização.
Rever : Ao que sei, sua Federação aqui na Praia Grande trabalha no âmbito social, é isso ?
Yìà Cintia : Sim, é isso mesmo. Nossa Federação além de ser uma entidade religiosa não se limitou à isto. Trouxemos uma expansão em nosso Estatuto, que nos permite ser como uma ''O.N.G.'', onde não só em Praia Grande, mas, em todo o território nacional, podemos trabalhar, como fazemos já; com o lado social, cultural, econômico. Estamos abrindo este final de mês (29/01), nossa sub-sede em São Paulo, zona sul, e, para o meado deste ano, estaremos presentes também no Rio de Janeiro. Tudo isto, numa tentativa de levar um pouco de solidariedade à crianças e famílias carentes.
Rever : Isto demonstra novamente o poder feminino ?
Yìà Cintia : Neste caso não. Digo isto porque o fato de trabalharmos desta forma, está representando a realização de um sonho, que sempre achei possível, mas, distante. No entanto, eu devo dizer que não cabe somente à mim, pois, tenho pessoas ao meu lado, que jamais poderia deixar de agradecer, principalmente é claro, ao meu Orixá. Mas, é óbvio que diante ao exposto, no século passado por exemplo, isto seria poder.
Rever : Se não for indiscrição minha, a Sra. poderia me dizer sua idade ?
Yìà Cintia : É claro que digo, tenho 30 anos de idade.
Rever : Com quantos anos a Sra. se iniciou no Candomblé ?
Yìà Cintia : Eu na verdade conheci o Candomblé através do meu marido, que já é Sacerdote do Culto Afro há 33 anos, isto tem 11 anos atrás, mas, 7 anos atrás me iniciei na ''casa'' de Jailson de Xangô (ojù obà Barù), aqui mesmo em Praia Grande.
Rever : Gostaria de fugir um pouco do assunto ''poder'', para lhe perguntar qual seu conceito de religião afro-descendente nos dias de hoje ? Como a Sra. encara esse Sacerdócio ?
Yìà Cintia : Você quer que eu seja realista, ou quer que eu lhe dê uma resposta só para você escrever ? (rsrsrsrsrs)(muitas risadas).
Eu vou lhe responder da seguinte maneira: Como eu lhe disse antes, eu conheci o Candomblé pelo meu marido, SANTANA D'ÓGÙN, que é uma pessoa com um profundo conhecimento em todas as áreas do culto afro; isto em princípio, já me deu respaldo suficiente, afinal, são 34 anos de ''santo feito''. É lógico que ele me ensinaria muita coisa sobre a religião, uma vez que eu também iria me iniciar, então, para dizer a verdade à você, o meu conceito sobre a religião, os Orixás nos dias de hoje e sempre, são inabaláveis, porém, o ''pseudo-sacerdócio'' deixa muito aquém e além do que seria dentro de uma realidade, mesmo para um século XXI como o que vivemos.
Talvez, quando alguém me disser; o Orixá calçou sapatos, eu viverei uma nova realidade, enquanto isto não ocorrer, eu viverei na realidade dos meus Orixás.
Rever : Parece-me que toquei em algo que lhe irritou, ou é impressão minha ?
Yìà Cintia : Não; não é impressão. Sei que você é uma antropóloga, certo ? Então eu perguntaria à você: Será que a sua faculdade não lhe cobra nada ? Será que seus livros não lhe custam nada ? Você leva um tempo danado para se formar em sua faculdade, gasta tempo, dinheiro, noites de sono, para chegar até aqui com suas pesquisas, suas perguntas, etc...; amanhã chega alguém aqui que não é diplomado em nada, querendo fazer o mesmo trabalho que você, e, talvez se achando melhor que você. Eu creio que você também se irritaria; não é ?
Rever : É por isso que a Sra. disse ''pseudo-sacerdócio'' ?
Yìà Cintia : Sim, minutos atrás o que eu queria me referir dizendo sobre o pseudo-sacerdócio, é justamente sobre o fato de haver muitos e muitos ''Pais e Mães-de-santo, que se quer é ''feito'' (iniciado), se quer tem o devido tempo, que é os 7 anos de iniciação, fator este, ''fundamental'' para que este venha ter seu nome registrado na história do Candomblé (dentro do correto é claro, não como ''marmoteiro''), como tantos que se encontram nos anais à exemplo; os que vem da CASA BRANCA /BA.
Hoje, qualquer um, até pela ''internet'', já é ''Pai ou Mãe-de-Santo''.
Qualquer pessoa que tenha passado por todos os preceitos devidos, ficaria irritado, ou diria até mais, indignado, em ver tanta hipocresia em nome do ORIXÁ.
Rever : Gostaria de lhe pedir, que pudessemos dar continuidade ainda à esta entrevista, que realmente está ótima, só que abordando outros temas, que também são polêmicos, tanto quanto este que a Sra. acaba de relatar, gostaria de poder ter maiores informações.
Yìà Cintia : É claro que sim, como eu disse à princípio, é sempre um prazer poder de uma forma ou outra contribuir.
Leia a segunda parte desta entrevista cedida por Mãe Cíntia D'Oxùn, à REVISTA REVER
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