Idade: 82 anos
Tempo de feitura: 62 anos
Filhos: seis
Filhos-de-santo: mais de cem
Orixá: Omolu
Em 1988, mãe Hilda fundou a Escola Mãe Hilda Jitolu, com o objetivo de preservar os conhecimentos acerca da cultura africana, integrado ao compromisso social. A escola atende a alunos da primeira a quarta série, que aprendem o conteúdo do Ensino Fundamental e a cultura afrobrasileira, como os orixás, suas comidas e histórias.
MÃE CARMEM MÃE CARMEM GANTOIS
Filha mais nova de Mãe Menininha, mãe Carmem de Oxalá é a yalorixá do terreiro do Gantois - Ilê Iyá Omin Axé Iyamassê, o mais famoso do Brasil. Mãe Carmem foi feita aos cinco anos de idade e passou a maior parte de sua vida aprendendo e seguindo os ensinamentos de sua mãe, uma das mães-de-santo mais conhecidas. Mãe Carmem tem duas filhas biológicas, netos e 45 filhos-de-santo.
“Minhas filhas são um presente de Deus. Nossa relação sempre foi de harmonia e tranqüilidade, nunca me deram trabalho”, diz mãe Carmem, se referindo à boa convivência com as filhas. Ela explica que a relação com os filhos-de-santo é semelhante com a que tem com as filhas biológicas. “Eu converso com meus filhos-de-santo como converso com minhas filhas, sem diferença. Graças a Deus, temos uma relação de amor e respeito. Somos todos de uma mesma família”.
Mãe Carmem educou as filhas biológicas com a mesma preocupação de sua mãe: ensinar a respeitar e amar aos orixás. Ângela Ferreira e Neli Silva foram iniciadas no candomblé, ainda criança, e hoje ocupam cargos no terreiro do Gantois. Ângela, a filha mais velha de mãe Carmem, ocupa o cargo de yakekerê da casa, ou seja, a mãe-pequena. Neli é a yadagan, responsável pelas tarefas na cozinha. É ela quem orienta as ekédis e as filhas da casa como preparar e arrumar as comidas para os orixás.
De acordo com a yalorixá, conciliar a vida religiosa com a pessoal não é impossível. “É preciso muita organização para dar conta da vida pessoal e do terreiro”, diz. “O axé é a nossa força. Com a fé, todos os objetivos serão alcançados”, completa.
Mãe Carmem também explica que a função social das mães-de-santo é atender, principalmente, às pessoas carentes. “No Gantois, nós conversamos e orientamos mães solteiras e adolescentes, além de ensinar dança, arte, música e percussão a crianças, idosos e desabrigados”, diz a yalorixá.
De Geração para Geração
Leila Ferreira, uma das netas de mãe Carmem, foi iniciada há dois meses. Aos 23 anos, Leila parou a faculdade de Fisioterapia para cuidar da religião. “Eu precisei parar a faculdade para atender ao meu orixá e pretendo retomar meus estudos assim que puder”, afirma a yaô.
MÃE OLGA DO ALAKETU MÃE OLGA DO ALAKETU
Idade: 79 anos
Tempo de feitura: 67 anos
Filhos: 12
Filhos-de-santo: mais de 100
Orixá: Yansã
por Danielle Fuad
Mãe Olga do Alaketu, criada de acordo com os costumes africanos, foi iniciada aos 12 anos de idade, no Ilê Axé Maroiá Láji, em Matatu de Brotas. Antes de ser iniciada no candomblé, trabalhava com pintura, tecelagem e bordados. Aos 79 anos, a yalorixá passa seus conhecimentos a filhos, netos e bisnetos.
A mãe-de-santo conta que, em paralelo ao candomblé, teve também uma criação católica e sempre freqüentou a Igreja. "Eu fui batizada e crismada, e minha tia foi criada em um convento", explica.
Mãe Olga teve 12 filhos biológicos, mas apenas seis estão vivos. Eles sempre acompanharam a mãe nas tarefas do candomblé e cresceram seguindo a religião. Foram iniciados ainda criança e todos ocupam cargo no terreiro. "Minha relação com eles, dentro do axé, é de acordo com as regras africanas. Em casa, eles tinham obrigações com os estudos e com o trabalho", explica.
No candomblé, a yalorixá diz que não existe diferença na maneira de amar e tratar os filhos biológicos e os filhos-de-santo. "Uma yalorixá deve ter tanto amor pelos filhos-de-santo quanto por aqueles gerados por nós. Sempre peço a Deus por todos eles, que tenham saúde, paz e prosperidade, em qualquer lugar", diz mãe Olga. "Os orixás são meus educadores. Foi para eles que vivi 79 anos e ensinei a meus filhos a acreditar na força de Deus e dos orixás", explica.
Educação
A yalorixá compara a forma que foi criada, na década de 20, com a educação dos dias atuais. Mãe Olga conta que foi rigorosa com a educação de seus filhos e critica a educação dos jovens na atualidade. "O dever de um filho é obediência e respeito aos pais, o contrário do que se ver hoje. Os valores estão se perdendo com a criação moderna", diz.
Mãe Olga alerta para os pais terem mais cuidados com os filhos. "A violência está cada vez maior. Não se deve privar a diversão, mas é preciso saber para onde vão e com quais companhias", afirma. "Peço que tenham fé em Deus, na Santíssima Trindade e nos orixás".
MÃE CLARINDA MÃE CLARINDA DE YAOMIN
Sua filha mais velha tinha apenas três anos quando mãe Clarinda tornou-se adepta ao candomblé, e o filho caçula, apenas dois meses. Clarinda Correia dos Santos nasceu em Salvador e cresceu no bairro de Tancredo Neves, onde criou seus quatro filhos, e mora até hoje. Mãe Clarinda começou com apenas dois filhos-de-santo e hoje, aos 72 anos de idade, tem 17 filhos feitos. Dos quatro filhos biológicos, apenas um não seguiu o candomblé.
Aos 30 anos, mãe Clarinda passava por problemas de saúde. Sentia fortes dores de cabeça, tontura, desmaios, calafrios. Aos 38 anos, entrou para o candomblé. “Fui a vários médicos e nenhum descobriu meu problema. Muitas coisas aconteciam sem explicação, até que procurei um pai-de-santo para fazer um jogo de búzios”, conta. No jogo, o pai-de-santo Edson dos Santos, do Ilê Axé Omin Alabaxé, em Maragogipe - há 133 Km de Salvador -, identificou que era preciso cuidar do orixá, fazendo oferendas e algumas obrigações, para que a vida de Clarinda voltasse ao normal.
Com o tempo, as melhoras foram acontecendo, as dores passaram, surgiram oportunidades de trabalho, as brigas em casa deixaram de acontecer. Após nove anos abian (cargo mais baixo na hierarquia do candomblé; pessoa que fez uma obrigação, chamada borí, ou recebeu apenas as contas “lavadas”), mãe Clarinda fez o santo. Filha de Yemanjá com Ogum, após 14 anos feita no candomblé, recebeu o deká, ou seja, a autorização para abrir seu próprio terreiro – vale ressaltar que os critérios para receber o deká, de acordo com o babalorixá Rodrigo Abib, variam de acordo com a vontade do orixá.
Assim como a maioria dos filhos-de-santo que não querem maiores responsabilidades no candomblé, mãe Clarinda teve resistência. As obrigações com o terreiro começaram com as sessões de caboclo. As pessoas freqüentavam para rezar, submeter-se a passes e orientações espirituais. “Eu fiquei com receio, procurei evitar grandes responsabilidades, até que apareceram duas pessoas precisando de cuidado”, disse. “Eles precisavam de limpeza para se livrar se energias negativas. Quando menos esperei, o orixá caiu aos meus pés pedindo para ser feito. Em seguida, o outro também caiu. Um era de Oxossi e outro de Oxalá”, recorda mãe Clarinda.
Com os primeiros filhos iniciados no candomblé, mãe Clarinda não teve outra escolha a não ser dar continuidade ao terreiro, que começara a crescer. Antes do primeiro barco (quando mais de uma pessoa é iniciada ao mesmo tempo) sair do roncó (quarto com esteiras espalhadas, o qual o filho-de-santo fica recolhido durante o processo de iniciação), outras duas pessoas bolaram (sinal dado pelos orixás expressando o desejo de feitura) aos pés de mãe Clarinda. Eles foram recolhidos no quarto do santo para esperar o processo de iniciação. “Ao mesmo tempo que eu não queria maiores responsabilidades com yaôs (nome dado aos filhos-de-santo, com menos de sete anos de iniciados) no terreiro, eu sabia que se fizesse alguma coisa e permitisse que voltassem para suas casas, eles seriam prejudicados, então tive que recolher mais dois orixás para que fossem feitos. Eram filhos de Oxum e Yansã”, diz. Assim nasceu o Ilê Omin Alaxé, cuja tradução significa “A casa da força das águas”.
Força Hereditária
Rita, a primeira filha biológica de mãe Clarinda, acompanhou todo processo de feitura da mãe, até receber o deká. Era Rita, aos três anos de idade, quem ajudava ao pai a cuidar do irmão Bartolomeu, que tinha apenas dois meses de nascido. Ela levava o bebê para a mãe amamentar, dentro do terreiro, e voltava para pegar a criança no final da tarde.
Aos 14 anos, Rita começou a sentir fortes dores de cabeça, tontura e desmaios. Mãe Clarinda foi ao jogo e identificou que a menina também precisava atender aos pedidos do orixá. Mas ela não queria maiores responsabilidades. “Quando soube que o orixá queria cuidados, ela passou a freqüentar a Igreja da Conceição todas as manhãs, rezava, conversava com o padre, até que o santo caiu, sem ninguém esperar”, lembra mãe Clarinda, que levou a filha ao seu pai-de-santo, em Maragogipe.
Mãe Clarinda é também irmã de santo de Rita, pois foram iniciadas no candomblé pelo mesmo pai-de-santo. Vale ressaltar que, de acordo com as tradições da religião, as mães ou pais-de-santo não iniciam os filhos biológicos no candomblé.
Rita, após completar sete anos de iniciada, recebeu deká e o cargo de yakekerê (chamada também de mãe-pequena), ou seja, quem está sempre pronta a ajudar e ensinar a todos iniciados, tão respeitada quanto a própria mãe-de-santo. Rita então é chamada de mãe Rita de Nanã, em homenagem ao seu orixá.
O Dia-a-Dia
No dia-a-dia em sua residência, Rita pede conselhos à mãe, pede a bênção quando chega em casa e antes de dormir, cuida da casa, dos filhos e divide seu tempo com o trabalho. Mãe Clarinda explica que, quando se trata das obrigações no candomblé, o tratamento entre elas é de autoridades do terreiro. Cada uma exerce sua função com seriedade e respeito aos orixás, independente da relação entre mãe e filha.
Rita tem um casal de filhos, que também são do candomblé. “Quando se trata do axé, eles devem obediência aos orixás e a minha função é cobrar isso, além da responsabilidade com o terreiro. Nas tarefas de escola e na vida pessoal, as cobranças são outras. Eu saio do papel de yakekerê e assumo a função de mãe”, conta Rita.
As Festas
As festas tradicionais no terreiro de mãe Clarinda, o Ilê Axé Omin Alaxé, são das entidades das autoridades da casa: Yemanjá, Ogum, Nanã, Omolu, Yansã, Exú, além de Tempo e os caboclos.
Os festejos ocorrem ao longo do ano. Todos têm o seu lugar na casa, inclusive os visitantes. Nas festas dos orixás, as autoridades ficam em lugares reservados ou na roda, dançando com os filhos e filhas-de-santo. É de costume os mais novos no candomblé pedirem a bênção aos mais velhos. Todos cantam e dançam saudando os orixás, até quando o orixá festejado vai ao barracão dançar. Nesse momento, todos apreciam ao espetáculo das músicas e coreografias próprias. Geralmente, são servidas comidas e refrigerantes aos presentes.
Nas festas de caboclo, os visitantes e os filhos da casa cantam e dançam em um ritmo diferenciado, próprio de cantigas de caboclo. As roupas dos caboclos são diferentes das vestimentas dos orixás. Costumam fumar charutos, cigarros e consumir bebidas alcóolicas, dar passes e conselhos aos que precisam.
Mãe e filha afirmam que devem a vida ao candomblé e aos orixás. “Se eu não entrasse para o candomblé, talvez não estivesse aqui para contar a história”, diz mãe Clarinda. “Eu devo minha vida aos orixás”, afirma Rita.
MÃE CARMEM MÃE CARMEM GANTOIS
Idade: 75 anos
Tempo de feitura: 70 anos
Filhos: dois
Filhos-de-santo: 45
Orixá: Oxalá
por Danielle FuadTempo de feitura: 70 anos
Filhos: dois
Filhos-de-santo: 45
Orixá: Oxalá
Filha mais nova de Mãe Menininha, mãe Carmem de Oxalá é a yalorixá do terreiro do Gantois - Ilê Iyá Omin Axé Iyamassê, o mais famoso do Brasil. Mãe Carmem foi feita aos cinco anos de idade e passou a maior parte de sua vida aprendendo e seguindo os ensinamentos de sua mãe, uma das mães-de-santo mais conhecidas. Mãe Carmem tem duas filhas biológicas, netos e 45 filhos-de-santo.
“Minhas filhas são um presente de Deus. Nossa relação sempre foi de harmonia e tranqüilidade, nunca me deram trabalho”, diz mãe Carmem, se referindo à boa convivência com as filhas. Ela explica que a relação com os filhos-de-santo é semelhante com a que tem com as filhas biológicas. “Eu converso com meus filhos-de-santo como converso com minhas filhas, sem diferença. Graças a Deus, temos uma relação de amor e respeito. Somos todos de uma mesma família”.
Mãe Carmem educou as filhas biológicas com a mesma preocupação de sua mãe: ensinar a respeitar e amar aos orixás. Ângela Ferreira e Neli Silva foram iniciadas no candomblé, ainda criança, e hoje ocupam cargos no terreiro do Gantois. Ângela, a filha mais velha de mãe Carmem, ocupa o cargo de yakekerê da casa, ou seja, a mãe-pequena. Neli é a yadagan, responsável pelas tarefas na cozinha. É ela quem orienta as ekédis e as filhas da casa como preparar e arrumar as comidas para os orixás.
De acordo com a yalorixá, conciliar a vida religiosa com a pessoal não é impossível. “É preciso muita organização para dar conta da vida pessoal e do terreiro”, diz. “O axé é a nossa força. Com a fé, todos os objetivos serão alcançados”, completa.
Mãe Carmem também explica que a função social das mães-de-santo é atender, principalmente, às pessoas carentes. “No Gantois, nós conversamos e orientamos mães solteiras e adolescentes, além de ensinar dança, arte, música e percussão a crianças, idosos e desabrigados”, diz a yalorixá.
De Geração para Geração
Leila Ferreira, uma das netas de mãe Carmem, foi iniciada há dois meses. Aos 23 anos, Leila parou a faculdade de Fisioterapia para cuidar da religião. “Eu precisei parar a faculdade para atender ao meu orixá e pretendo retomar meus estudos assim que puder”, afirma a yaô.
MÃE OLGA DO ALAKETU MÃE OLGA DO ALAKETU
Idade: 79 anos
Tempo de feitura: 67 anos
Filhos: 12
Filhos-de-santo: mais de 100
Orixá: Yansã
por Danielle Fuad
Mãe Olga do Alaketu, criada de acordo com os costumes africanos, foi iniciada aos 12 anos de idade, no Ilê Axé Maroiá Láji, em Matatu de Brotas. Antes de ser iniciada no candomblé, trabalhava com pintura, tecelagem e bordados. Aos 79 anos, a yalorixá passa seus conhecimentos a filhos, netos e bisnetos.
A mãe-de-santo conta que, em paralelo ao candomblé, teve também uma criação católica e sempre freqüentou a Igreja. "Eu fui batizada e crismada, e minha tia foi criada em um convento", explica.
Mãe Olga teve 12 filhos biológicos, mas apenas seis estão vivos. Eles sempre acompanharam a mãe nas tarefas do candomblé e cresceram seguindo a religião. Foram iniciados ainda criança e todos ocupam cargo no terreiro. "Minha relação com eles, dentro do axé, é de acordo com as regras africanas. Em casa, eles tinham obrigações com os estudos e com o trabalho", explica.
No candomblé, a yalorixá diz que não existe diferença na maneira de amar e tratar os filhos biológicos e os filhos-de-santo. "Uma yalorixá deve ter tanto amor pelos filhos-de-santo quanto por aqueles gerados por nós. Sempre peço a Deus por todos eles, que tenham saúde, paz e prosperidade, em qualquer lugar", diz mãe Olga. "Os orixás são meus educadores. Foi para eles que vivi 79 anos e ensinei a meus filhos a acreditar na força de Deus e dos orixás", explica.
Educação
A yalorixá compara a forma que foi criada, na década de 20, com a educação dos dias atuais. Mãe Olga conta que foi rigorosa com a educação de seus filhos e critica a educação dos jovens na atualidade. "O dever de um filho é obediência e respeito aos pais, o contrário do que se ver hoje. Os valores estão se perdendo com a criação moderna", diz.
Mãe Olga alerta para os pais terem mais cuidados com os filhos. "A violência está cada vez maior. Não se deve privar a diversão, mas é preciso saber para onde vão e com quais companhias", afirma. "Peço que tenham fé em Deus, na Santíssima Trindade e nos orixás".
MÃE CLARINDA MÃE CLARINDA DE YAOMIN
Idade: 72 anos
Tempo de feitura: 34 anos
Filhos: 04
Filhos-de-santo: 17
Orixá: Yemanjá
por Danielle FuadTempo de feitura: 34 anos
Filhos: 04
Filhos-de-santo: 17
Orixá: Yemanjá
Sua filha mais velha tinha apenas três anos quando mãe Clarinda tornou-se adepta ao candomblé, e o filho caçula, apenas dois meses. Clarinda Correia dos Santos nasceu em Salvador e cresceu no bairro de Tancredo Neves, onde criou seus quatro filhos, e mora até hoje. Mãe Clarinda começou com apenas dois filhos-de-santo e hoje, aos 72 anos de idade, tem 17 filhos feitos. Dos quatro filhos biológicos, apenas um não seguiu o candomblé.
Aos 30 anos, mãe Clarinda passava por problemas de saúde. Sentia fortes dores de cabeça, tontura, desmaios, calafrios. Aos 38 anos, entrou para o candomblé. “Fui a vários médicos e nenhum descobriu meu problema. Muitas coisas aconteciam sem explicação, até que procurei um pai-de-santo para fazer um jogo de búzios”, conta. No jogo, o pai-de-santo Edson dos Santos, do Ilê Axé Omin Alabaxé, em Maragogipe - há 133 Km de Salvador -, identificou que era preciso cuidar do orixá, fazendo oferendas e algumas obrigações, para que a vida de Clarinda voltasse ao normal.
Com o tempo, as melhoras foram acontecendo, as dores passaram, surgiram oportunidades de trabalho, as brigas em casa deixaram de acontecer. Após nove anos abian (cargo mais baixo na hierarquia do candomblé; pessoa que fez uma obrigação, chamada borí, ou recebeu apenas as contas “lavadas”), mãe Clarinda fez o santo. Filha de Yemanjá com Ogum, após 14 anos feita no candomblé, recebeu o deká, ou seja, a autorização para abrir seu próprio terreiro – vale ressaltar que os critérios para receber o deká, de acordo com o babalorixá Rodrigo Abib, variam de acordo com a vontade do orixá.
Assim como a maioria dos filhos-de-santo que não querem maiores responsabilidades no candomblé, mãe Clarinda teve resistência. As obrigações com o terreiro começaram com as sessões de caboclo. As pessoas freqüentavam para rezar, submeter-se a passes e orientações espirituais. “Eu fiquei com receio, procurei evitar grandes responsabilidades, até que apareceram duas pessoas precisando de cuidado”, disse. “Eles precisavam de limpeza para se livrar se energias negativas. Quando menos esperei, o orixá caiu aos meus pés pedindo para ser feito. Em seguida, o outro também caiu. Um era de Oxossi e outro de Oxalá”, recorda mãe Clarinda.
Com os primeiros filhos iniciados no candomblé, mãe Clarinda não teve outra escolha a não ser dar continuidade ao terreiro, que começara a crescer. Antes do primeiro barco (quando mais de uma pessoa é iniciada ao mesmo tempo) sair do roncó (quarto com esteiras espalhadas, o qual o filho-de-santo fica recolhido durante o processo de iniciação), outras duas pessoas bolaram (sinal dado pelos orixás expressando o desejo de feitura) aos pés de mãe Clarinda. Eles foram recolhidos no quarto do santo para esperar o processo de iniciação. “Ao mesmo tempo que eu não queria maiores responsabilidades com yaôs (nome dado aos filhos-de-santo, com menos de sete anos de iniciados) no terreiro, eu sabia que se fizesse alguma coisa e permitisse que voltassem para suas casas, eles seriam prejudicados, então tive que recolher mais dois orixás para que fossem feitos. Eram filhos de Oxum e Yansã”, diz. Assim nasceu o Ilê Omin Alaxé, cuja tradução significa “A casa da força das águas”.
Força Hereditária
Rita, a primeira filha biológica de mãe Clarinda, acompanhou todo processo de feitura da mãe, até receber o deká. Era Rita, aos três anos de idade, quem ajudava ao pai a cuidar do irmão Bartolomeu, que tinha apenas dois meses de nascido. Ela levava o bebê para a mãe amamentar, dentro do terreiro, e voltava para pegar a criança no final da tarde.
Aos 14 anos, Rita começou a sentir fortes dores de cabeça, tontura e desmaios. Mãe Clarinda foi ao jogo e identificou que a menina também precisava atender aos pedidos do orixá. Mas ela não queria maiores responsabilidades. “Quando soube que o orixá queria cuidados, ela passou a freqüentar a Igreja da Conceição todas as manhãs, rezava, conversava com o padre, até que o santo caiu, sem ninguém esperar”, lembra mãe Clarinda, que levou a filha ao seu pai-de-santo, em Maragogipe.
Mãe Clarinda é também irmã de santo de Rita, pois foram iniciadas no candomblé pelo mesmo pai-de-santo. Vale ressaltar que, de acordo com as tradições da religião, as mães ou pais-de-santo não iniciam os filhos biológicos no candomblé.
Rita, após completar sete anos de iniciada, recebeu deká e o cargo de yakekerê (chamada também de mãe-pequena), ou seja, quem está sempre pronta a ajudar e ensinar a todos iniciados, tão respeitada quanto a própria mãe-de-santo. Rita então é chamada de mãe Rita de Nanã, em homenagem ao seu orixá.
O Dia-a-Dia
No dia-a-dia em sua residência, Rita pede conselhos à mãe, pede a bênção quando chega em casa e antes de dormir, cuida da casa, dos filhos e divide seu tempo com o trabalho. Mãe Clarinda explica que, quando se trata das obrigações no candomblé, o tratamento entre elas é de autoridades do terreiro. Cada uma exerce sua função com seriedade e respeito aos orixás, independente da relação entre mãe e filha.
Rita tem um casal de filhos, que também são do candomblé. “Quando se trata do axé, eles devem obediência aos orixás e a minha função é cobrar isso, além da responsabilidade com o terreiro. Nas tarefas de escola e na vida pessoal, as cobranças são outras. Eu saio do papel de yakekerê e assumo a função de mãe”, conta Rita.
As Festas
As festas tradicionais no terreiro de mãe Clarinda, o Ilê Axé Omin Alaxé, são das entidades das autoridades da casa: Yemanjá, Ogum, Nanã, Omolu, Yansã, Exú, além de Tempo e os caboclos.
Os festejos ocorrem ao longo do ano. Todos têm o seu lugar na casa, inclusive os visitantes. Nas festas dos orixás, as autoridades ficam em lugares reservados ou na roda, dançando com os filhos e filhas-de-santo. É de costume os mais novos no candomblé pedirem a bênção aos mais velhos. Todos cantam e dançam saudando os orixás, até quando o orixá festejado vai ao barracão dançar. Nesse momento, todos apreciam ao espetáculo das músicas e coreografias próprias. Geralmente, são servidas comidas e refrigerantes aos presentes.
Nas festas de caboclo, os visitantes e os filhos da casa cantam e dançam em um ritmo diferenciado, próprio de cantigas de caboclo. As roupas dos caboclos são diferentes das vestimentas dos orixás. Costumam fumar charutos, cigarros e consumir bebidas alcóolicas, dar passes e conselhos aos que precisam.
Mãe e filha afirmam que devem a vida ao candomblé e aos orixás. “Se eu não entrasse para o candomblé, talvez não estivesse aqui para contar a história”, diz mãe Clarinda. “Eu devo minha vida aos orixás”, afirma Rita.
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