Nahima Maciel
Joel Bergner/Divulgação Bergner : "Minha inspiração é o mural, mas como isso não é conhecido por aqui, digo que sou grafiteiro" |
O encanto do artista norte-americano Joel Bergner com o Brasil é o mesmo que já o levou a El Salvador, Colômbia, Cuba e República Dominicana: quando há trabalho social e histórias de culturas arraigadas para contar ele gosta de estar presente. No Rio de Janeiro, passou um tempo na Cidade de Deus. Morava com uma família local e desenvolvia trabalhos em pintura mural pela favela. Na Bahia, fez o mesmo com o candomblé. E em Brasília, percebeu a confluência de culturas antes de sair a pintar os muros de cidades como Gama, Ceilândia, Samambaia e São Sebastião. Ficou hospedado nesta última, na casa do também artista Gersion. “Fiz pinturas sobre a cultura daqui, do Nordeste. Aqui tem muitas pessoas do Brasil inteiro, então colocamos de tudo, samba, coisas do Nordeste.”
Bergner também ficou surpreso com a forte conexão entre o grafite brasiliense e o hip-hop. “Foi muito interessante ver que aqui é como lá nos Estados Unidos”, compara, em português perfeito, aprendido entre a Cidade de Deus e a Bahia. Além das quebradas brasilienses, o artista também circulou pelos templos da elite da cidade e, na manhã da última terça-feira, promoveu o encontro entre alunos da Escola Americana de Brasília e do Centro de Ensino Médio nº 1, de São Sebastião. Juntos, os estudantes pintaram murais sobre a diversidade. É um dos temas preferidos de Bergner.
Na verdade, o artista se identifica mais com a arte mural do que com o grafite. É na herança da pintura mural mexicana dos anos 1920, quando Diego Rivera e José Clemente Orozco traçavam a história de opressão das classes desfavorecidas nas paredes das ruas da Cidade do México, que Bergner encontra respaldo para a prática de hoje. “Meu trabalho tem inspiração na pintura mural, mas como aqui não é muito conhecido, digo que sou grafiteiro”, explica.
Candomblé
O artista ouviu falar na Cidade de Deus pela primeira vez em 2007, nos Estados Unidos, durante um encontro com rapper MV Bill. Em 2009, desembarcava no Rio para trabalhar com a Central Única das Favelas (Cufa) e dar aulas de inglês e grafite para crianças. Com a comunidade, pintou os muros de uma igreja no qual misturavam personagens da favela e cenas bíblicas. Na Bahia, se concentrou nas figuras do candomblé. Ao voltar aos Estados Unidos, Bergner decidiu contar a trajetória da família que o hospedou na favela carioca. A história de Felipe — um mural no qual o garoto aparece rodeado pela família e pela violência — ilustra hoje um muro da cidade de Whashington. Em São Francisco, ele pintou a Bahia. Sob o sol dos orixás e Um olhar nas ruas da Bahia trazem cenas cotidianas de festas afro e da capital baiana.
São obras muito coloridas, com narrativas claras e personagens que contam histórias. Para Bergner, os muros são espaços democráticos e podem ajudar as populações que não têm voz a narrar suas trajetórias. “Os murais ficam nas ruas, sempre em lugares de movimento e as mensagens são fortes. É uma oportunidade para pessoas que não são da arte mas têm mensagens importantes.” Imigração, guerras civis, violência doméstica e pobreza são temas sempre presentes.
Em Maryland, ele pintou o Mural global dos refugiados com a ajuda de pessoas que deixaram seus países por conta de guerras e em Washington fez o Mural afrocolombiano, com participação de imigrantes colombianos. De fronteira a fronteira, pintado em São Francisco, fala sobre a República Dominicana, terra de muitos expatriados hoje radicados nos Estados Unidos, e Através das olas, em Baltimore, traça a saga comum das ondas de imigração latina. El Salvador e Cuba também receberam os murais do artista. Agora, Bergner descansa em Salvador antes de retomar à cruzada global contra a pobreza, batalha na qual luta armado de tintas, pincéis e histórias de gente em situação de risco.
O muro contra a burgesia
Diego Rivera estudou na Academia de Bellas Artes de San Carlos, no México, e, graças a uma bolsa de estudos, partiu para a Europa, onde ficou de 1907 até 1921. Lá teve contato com muitos pintores da época, como Pablo Picasso, Salvador Dalí, Juan Miró e o arquiteto catalão Antoni Gaudí, que influenciaram a sua obra. Juntamente com José Clemente Orozco e David Siqueiros criou o movimento muralístico mexicano. Eles acreditavam que só mesmo o mural poderia redimir artisticamente um povo que esquecera a grandeza de sua civilização pré-colombiana durante séculos de opressão estrangeira e de espoliação por parte das oligarquias nacionais culturalmente voltadas para a metrópole espanhola. Assim como os outros muralistas, considerava a pintura de cavalete burguesa, pois em maior parte dos casos as telas ficavam confinadas em coleçõ es particulares. Foi casado com a pintora mexicana Frida Kahlo.
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