A aguardente esquentava seu corpo mirrado e ajudava a esquecer a fome. Pena que o cineasta Pedro Urano não tenha resgatado histórias semelhantes ao se embrenhar pelo interior do Brasil para contar a história da Estrada Real da Cachaça, rota histórica trilhada por tropeiros em lombo de cavalos e burros e que ajudou o Brasil colonial a escoar sua riqueza: os minérios preciosos, a comida para os vilarejos que brotavam nas margens e a cachaça, um subproduto da cana-de-açúcar.
O documentário "Estrada Real da Cachaça" tem uma proposta ambiciosa, mas não chega a resvalar nas bordas do tema que pretende abordar, nem serve de aperitivo. Se há um mérito no filme de Urano, porém, é o de visitar povoados empoeirados e perdidos no tempo e resgatar um pouco dos usos e costumes do local. De brinde, ouvimos lavadeiras cantando deliciosas cantigas nas quais a cachaça é um personagem importante.
A câmera acompanha o processo de fabricação da cachaça, elaborada ainda de forma quase primitiva por alambiques antigos e familiares e ouve "causos" por onde passa, do litoral fluminense a Minas Gerais — não por acaso, as aguardentes de Paraty (RJ) e de Minas estão entre as melhores fabricadas no país.
Exagero
Mas há um exagero em valorizar aspectos folclóricos da bebida, como o uso da cachaça em rituais de umbanda e candomblé, e mesmo deixar pessoas completamente alcoolizadas darem depoimentos. São pessoas humildes, os típicos pinguços de interior, cuja derrota estampada em seus rostos e enfatizada em gestos exigiria mais respeito de quem se aproxima para 'roubar' sua imagem.
Os depoimentos de especialistas ouvidos, que contextualizam a presença da cachaça na economia colonial, poderiam ser mais aprofundados, inclusive com alguns dados disponíveis sobre esse período, mesmo que limitados. A cachaça brasileira, cantada em verso e prosa por gente erudita e pelos caboclos rudes, poderia ser melhor servida neste retrato.
(Por Luiz Vita, do Cineweb)
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