19 de jan. de 2011

O CANDOMBLÉ E O PODER FEMININO

ENTREVISTA CONCEDIDA À TERESINHA BERNARDO DA REVISTA ''REVER''

Meu nome é Teresa Bernardo, jornalista da revista REVER (revista de estudos da religião),  LIVRE DOCENTE DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E COORDENADORA DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA PUC/SP.


Estou hoje em Praia Grande, para realizar uma entrevista com a Yìàlórixà, Cíntia D'Óxùn, onde, para entendermos um pouco melhor sobre as relações religiosas e o poder feminino, traremos à tona, toda a abordagem possível e permissível.




Rever : Olá Cintia, boa tarde. Antes de mais nada, gostaria de agradecer à Sra., por nos receber tão carinhosamente, e, abrir as portas para mais esta entrevista, que mais será uma espécie de troca de informações, propriamente dito.


Yìà Cintia : Para mim é e sempre será um prazer, poder de alguma forma estar contribuindo, seja dentro do axé, seja por pesquisas ou informações que leve adiante não só o nome do ORIXÁ, como também o melhor entendimento às pessoas de um modo geral.


Rever : O feminino no poder. Nos dias de hoje, isto já não é surpresa nenhuma, mas, qual seu ponto de vista sobre a mulher como Sacerdotisa, em pleno século XXI ?


Yìà Cintia : Bem, em todas as sociedades conhecidas, sempre foi o homem à deter todos os poderes religiosos. É ''ele'' quem sempre fez as mediações entre ''os outros'' e os ''Deuses'', porém, estamos falando de hierarquia, entre os séculos XVIII / XIX, quando as mulheres negras começaram a surgir na Bahia, como Sacerdotisas centrais dos templos de uma expressão religiosa denominada Candomblé.
Para explicar minha opinião nos dias de hoje, procuro enaltecer a trajetória das mulheres negras, sentido África - Brasil, mostrando suas relações sócio-econômica-culturais, onde dentro da própria história do orixá, ocorreu com minha Mãe Óxùn, que desde a sua época já deteve o poder perante aos orixás masculinos.


Rever : A Sra. já viajou para a África, já conheceu o continente africano ?


Yìà Cintia : Ainda não tive este prazer, mas, também em relação ao Orixá, não me causa curiosidades, porque conheço pessoas que foram e se arrependeram.


Rever : Esta pergunta anterior, é para que eu possa entender, de onde vem o seu conhecimento, que me parece ótimo, sobre os Orixás, fundamentos e tudo mais ?


Yìà Cintia : Bem, eu creio numa força extraordinária e suprema, que me dá uma condição especial de todos os entendimentos, embora é claro, eu tenha aprendido muita coisa ao decorrer do tempo, trocando experiências com meus zeladores, mas, a força maior é do Orixá, senão, eu não poderia ter condições de cuidar de inúmeras ''cabeças'' (destinos) diferentes.


Rever : Voltando na questão do poder feminino, na sua opinião, a que se deve tamanha expansão diante da hierarquia ? Como foi possível quebrar vários tabus ?


Yìà Cintia : Como eu disse a princípio, basta retroceder na história e ver que o homem é quem detia o poder, em sua maioria, porém, como explica Pierre Verger em um de seus livros, ainda na África as mulheres sempre foram as melhores comerciantes nas feiras, mostrando a capacidade de administração, além de grandes comerciantes, sendo que nestes mercados, comparadas aos homens as mulheres são a maioria, dentro deste conceito, creio que se deu o início à uma mutação sobre o poder.


Rever : Pelo que me consta, a Sra. é Yìàkékéré no Ilê Axé de seu marido, e, além disso é também a presidente de uma Federação Espírita. A Sra. poderia descrever algo sobre essas condições ? Como a Sra. concilia as coisas em sua vida ?


Yìà Cintia : Sim, sou a mãe pequena na casa de meu marido, Ilê Axé Ogùn Emi Ida Ajaxé, onde também sou a presidente da Federação que leva o mesmo nome. O que eu posso descrever à você ? Minha vida, é uma vida normal, como qualquer outra pessoa, porém, existe uma correria um pouquinho maior que algumas mulheres: Acordo às 06:00 da manhã, levo as crianças à escola, retorno, cuido da minha casa (roupa, comida, etc...), nos dias que tem função no barracão (seg./ ter./ sex.), vou para lá, fora disto, meu marido e eu fazemos as visitações, resolvemos problemas burocráticos, etc..., não é tão difícil conciliar as coisas, desde que se tenha organização.


Rever : Ao que sei, sua Federação aqui na Praia Grande trabalha no âmbito social, é isso ?


Yìà Cintia : Sim, é isso mesmo. Nossa Federação além de ser uma entidade religiosa não se limitou à isto. Trouxemos uma expansão em nosso Estatuto, que nos permite ser como uma ''O.N.G.'', onde não só em Praia Grande, mas, em todo o território nacional, podemos trabalhar, como fazemos já; com o lado social, cultural, econômico. Estamos abrindo este final de mês (29/01), nossa sub-sede em São Paulo, zona sul, e, para o meado deste ano, estaremos presentes também no Rio de Janeiro. Tudo isto, numa tentativa de levar um pouco de solidariedade à crianças e famílias carentes.


Rever : Isto demonstra novamente o poder feminino ?


Yìà Cintia : Neste caso não. Digo isto porque o fato de trabalharmos desta forma, está representando a realização de um sonho, que sempre achei possível, mas, distante. No entanto, eu devo dizer que não cabe somente à mim, pois, tenho pessoas ao meu lado, que jamais poderia deixar de agradecer, principalmente é claro, ao meu Orixá. Mas, é óbvio que diante ao exposto, no século passado por exemplo, isto seria poder.


Rever : Se não for indiscrição minha, a Sra. poderia me dizer sua idade ?


Yìà Cintia : É claro que digo, tenho 30 anos de idade.


Rever : Com quantos anos a Sra. se iniciou no Candomblé ?


Yìà Cintia : Eu na verdade conheci o Candomblé através do meu marido, que já é Sacerdote do Culto Afro há 33 anos, isto tem 11 anos atrás, mas, 7 anos atrás me iniciei na ''casa'' de Jailson de Xangô (ojù obà Barù), aqui mesmo em Praia Grande.


Rever : Gostaria de fugir um pouco do assunto ''poder'', para lhe perguntar qual seu conceito de religião afro-descendente nos dias de hoje ? Como a Sra. encara esse Sacerdócio ?


Yìà Cintia : Você quer que eu seja realista, ou quer que eu lhe dê uma resposta só para você escrever ? (rsrsrsrsrs)(muitas risadas).
Eu vou lhe responder da seguinte maneira: Como eu lhe disse antes, eu conheci o Candomblé pelo meu marido, SANTANA D'ÓGÙN, que é uma pessoa com um profundo conhecimento em todas as áreas do culto afro; isto em princípio, já me deu respaldo suficiente, afinal, são 34 anos de ''santo feito''. É lógico que ele me ensinaria muita coisa sobre a religião, uma vez que eu também iria me iniciar, então, para dizer a verdade à você, o meu conceito sobre a religião, os Orixás nos dias de hoje e sempre, são inabaláveis, porém, o ''pseudo-sacerdócio'' deixa muito aquém e além do que seria dentro de uma realidade, mesmo para um século XXI como o que vivemos.
Talvez, quando alguém me disser; o Orixá calçou sapatos, eu viverei uma nova realidade, enquanto isto não ocorrer, eu viverei na realidade dos meus Orixás.


Rever : Parece-me que toquei em algo que lhe irritou, ou é impressão minha ?


Yìà Cintia : Não; não é impressão. Sei que você é uma antropóloga, certo ? Então eu perguntaria à você: Será que a sua faculdade não lhe cobra nada ? Será que seus livros não lhe custam nada ? Você leva um tempo danado para se formar em sua faculdade, gasta tempo, dinheiro, noites de sono, para chegar até aqui com suas pesquisas, suas perguntas, etc...; amanhã chega alguém aqui que não é diplomado em nada, querendo fazer o mesmo trabalho que você, e, talvez se achando melhor que você. Eu creio que você também se irritaria; não é ?


Rever : É por isso que a Sra. disse ''pseudo-sacerdócio'' ? 

Yìà Cintia : Sim, minutos atrás o que eu queria me referir dizendo sobre o pseudo-sacerdócio, é justamente sobre o fato de haver muitos e muitos ''Pais e Mães-de-santo, que se quer é ''feito'' (iniciado), se quer tem o devido tempo, que é os 7 anos de iniciação, fator este, ''fundamental'' para que este venha ter seu nome registrado na história do Candomblé (dentro do correto é claro, não como ''marmoteiro''), como tantos que se encontram nos anais à exemplo; os que vem da CASA BRANCA /BA.
Hoje, qualquer um, até pela ''internet'', já é ''Pai ou Mãe-de-Santo''.
Qualquer pessoa que tenha passado por todos os preceitos devidos, ficaria irritado, ou diria até mais, indignado, em ver tanta hipocresia em nome do ORIXÁ.


Rever : Gostaria de lhe pedir, que pudessemos dar continuidade ainda à esta entrevista, que realmente está ótima, só que abordando outros temas, que também são polêmicos, tanto quanto este que a Sra. acaba de relatar, gostaria de poder ter maiores informações.


Yìà Cintia : É claro que sim, como eu disse à princípio, é sempre um prazer poder de uma forma ou outra contribuir.




Leia a segunda parte desta entrevista cedida por Mãe Cíntia D'Oxùn, à REVISTA REVER












15 de jan. de 2011

Grandes Nomes do Axé

MÃE HILDA JITOLU MÃE HILDA JITOLU
Idade: 82 anos
Tempo de feitura: 62 anos
Filhos: seis
Filhos-de-santo: mais de cem
Orixá: Omolu
 


Em 1988, mãe Hilda fundou a Escola Mãe Hilda Jitolu, com o objetivo de preservar os conhecimentos acerca da cultura africana, integrado ao compromisso social. A escola atende a alunos da primeira a quarta série, que aprendem o conteúdo do Ensino Fundamental e a cultura afrobrasileira, como os orixás, suas comidas e histórias.






MÃE CARMEM MÃE CARMEM  GANTOIS
Idade: 75 anos
Tempo de feitura: 70 anos
Filhos: dois
Filhos-de-santo: 45
Orixá: Oxalá
por Danielle Fuad

Filha mais nova de Mãe Menininha, mãe Carmem de Oxalá é a yalorixá do terreiro do Gantois - Ilê Iyá Omin Axé Iyamassê, o mais famoso do Brasil. Mãe Carmem foi feita aos cinco anos de idade e passou a maior parte de sua vida aprendendo e seguindo os ensinamentos de sua mãe, uma das mães-de-santo mais conhecidas. Mãe Carmem tem duas filhas biológicas, netos e 45 filhos-de-santo.
“Minhas filhas são um presente de Deus. Nossa relação sempre foi de harmonia e tranqüilidade, nunca me deram trabalho”, diz mãe Carmem, se referindo à boa convivência com as filhas. Ela explica que a relação com os filhos-de-santo é semelhante com a que tem com as filhas biológicas. “Eu converso com meus filhos-de-santo como converso com minhas filhas, sem diferença. Graças a Deus, temos uma relação de amor e respeito. Somos todos de uma mesma família”.
Mãe Carmem educou as filhas biológicas com a mesma preocupação de sua mãe: ensinar a respeitar e amar aos orixás. Ângela Ferreira e Neli Silva foram iniciadas no candomblé, ainda criança, e hoje ocupam cargos no terreiro do Gantois. Ângela, a filha mais velha de mãe Carmem, ocupa o cargo de yakekerê da casa, ou seja, a mãe-pequena. Neli é a yadagan, responsável pelas tarefas na cozinha. É ela quem orienta as ekédis e as filhas da casa como preparar e arrumar as comidas para os orixás.
De acordo com a yalorixá, conciliar a vida religiosa com a pessoal não é impossível. “É preciso muita organização para dar conta da vida pessoal e do terreiro”, diz. “O axé é a nossa força. Com a fé, todos os objetivos serão alcançados”, completa.
Mãe Carmem também explica que a função social das mães-de-santo é atender, principalmente, às pessoas carentes. “No Gantois, nós conversamos e orientamos mães solteiras e adolescentes, além de ensinar dança, arte, música e percussão a crianças, idosos e desabrigados”, diz a yalorixá.

De Geração para Geração

Leila Ferreira, uma das netas de mãe Carmem, foi iniciada há dois meses. Aos 23 anos, Leila parou a faculdade de Fisioterapia para cuidar da religião. “Eu precisei parar a faculdade para atender ao meu orixá e pretendo retomar meus estudos assim que puder”, afirma a yaô.


MÃE OLGA DO ALAKETU MÃE OLGA DO ALAKETU
Idade: 79 anos
Tempo de feitura: 67 anos
Filhos: 12
Filhos-de-santo: mais de 100
Orixá: Yansã


por Danielle Fuad

Mãe Olga do Alaketu, criada de acordo com os costumes africanos, foi iniciada aos 12 anos de idade, no Ilê Axé Maroiá Láji, em Matatu de Brotas. Antes de ser iniciada no candomblé, trabalhava com pintura, tecelagem e bordados. Aos 79 anos, a yalorixá passa seus conhecimentos a filhos, netos e bisnetos.
A mãe-de-santo conta que, em paralelo ao candomblé, teve também uma criação católica e sempre freqüentou a Igreja. "Eu fui batizada e crismada, e minha tia foi criada em um convento", explica.
Mãe Olga teve 12 filhos biológicos, mas apenas seis estão vivos. Eles sempre acompanharam a mãe nas tarefas do candomblé e cresceram seguindo a religião. Foram iniciados ainda criança e todos ocupam cargo no terreiro. "Minha relação com eles, dentro do axé, é de acordo com as regras africanas. Em casa, eles tinham obrigações com os estudos e com o trabalho", explica.
No candomblé, a yalorixá diz que não existe diferença na maneira de amar e tratar os filhos biológicos e os filhos-de-santo. "Uma yalorixá deve ter tanto amor pelos filhos-de-santo quanto por aqueles gerados por nós. Sempre peço a Deus por todos eles, que tenham saúde, paz e prosperidade, em qualquer lugar", diz mãe Olga. "Os orixás são meus educadores. Foi para eles que vivi 79 anos e ensinei a meus filhos a acreditar na força de Deus e dos orixás", explica.

Educação
A yalorixá compara a forma que foi criada, na década de 20, com a educação dos dias atuais. Mãe Olga conta que foi rigorosa com a educação de seus filhos e critica a educação dos jovens na atualidade. "O dever de um filho é obediência e respeito aos pais, o contrário do que se ver hoje. Os valores estão se perdendo com a criação moderna", diz.
Mãe Olga alerta para os pais terem mais cuidados com os filhos. "A violência está cada vez maior. Não se deve privar a diversão, mas é preciso saber para onde vão e com quais companhias", afirma. "Peço que tenham fé em Deus, na Santíssima Trindade e nos orixás".









MÃE CLARINDA  MÃE CLARINDA DE YAOMIN

Idade: 72 anos
Tempo de feitura: 34 anos
Filhos: 04
Filhos-de-santo: 17
Orixá: Yemanjá

por Danielle Fuad


Sua filha mais velha tinha apenas três anos quando mãe Clarinda tornou-se adepta ao candomblé, e o filho caçula, apenas dois meses. Clarinda Correia dos Santos nasceu em Salvador e cresceu no bairro de Tancredo Neves, onde criou seus quatro filhos, e mora até hoje. Mãe Clarinda começou com apenas dois filhos-de-santo e hoje, aos 72 anos de idade, tem 17 filhos feitos. Dos quatro filhos biológicos, apenas um não seguiu o candomblé.
Aos 30 anos, mãe Clarinda passava por problemas de saúde. Sentia fortes dores de cabeça, tontura, desmaios, calafrios. Aos 38 anos, entrou para o candomblé. “Fui a vários médicos e nenhum descobriu meu problema. Muitas coisas aconteciam sem explicação, até que procurei um pai-de-santo para fazer um jogo de búzios”, conta. No jogo, o pai-de-santo Edson dos Santos, do Ilê Axé Omin Alabaxé, em Maragogipe - há 133 Km de Salvador -, identificou que era preciso cuidar do orixá, fazendo oferendas e algumas obrigações, para que a vida de Clarinda voltasse ao normal.
Com o tempo, as melhoras foram acontecendo, as dores passaram, surgiram oportunidades de trabalho, as brigas em casa deixaram de acontecer. Após nove anos abian (cargo mais baixo na hierarquia do candomblé; pessoa que fez uma obrigação, chamada borí, ou recebeu apenas as contas “lavadas”), mãe Clarinda fez o santo. Filha de Yemanjá com Ogum, após 14 anos feita no candomblé, recebeu o deká, ou seja, a autorização para abrir seu próprio terreiro – vale ressaltar que os critérios para receber o deká, de acordo com o babalorixá Rodrigo Abib, variam de acordo com a vontade do orixá.
Assim como a maioria dos filhos-de-santo que não querem maiores responsabilidades no candomblé, mãe Clarinda teve resistência. As obrigações com o terreiro começaram com as sessões de caboclo. As pessoas freqüentavam para rezar, submeter-se a passes e orientações espirituais. “Eu fiquei com receio, procurei evitar grandes responsabilidades, até que apareceram duas pessoas precisando de cuidado”, disse. “Eles precisavam de limpeza para se livrar se energias negativas. Quando menos esperei, o orixá caiu aos meus pés pedindo para ser feito. Em seguida, o outro também caiu. Um era de Oxossi e outro de Oxalá”, recorda mãe Clarinda.
Com os primeiros filhos iniciados no candomblé, mãe Clarinda não teve outra escolha a não ser dar continuidade ao terreiro, que começara a crescer. Antes do primeiro barco (quando mais de uma pessoa é iniciada ao mesmo tempo) sair do roncó (quarto com esteiras espalhadas, o qual o filho-de-santo fica recolhido durante o processo de iniciação), outras duas pessoas bolaram (sinal dado pelos orixás expressando o desejo de feitura) aos pés de mãe Clarinda. Eles foram recolhidos no quarto do santo para esperar o processo de iniciação. “Ao mesmo tempo que eu não queria maiores responsabilidades com yaôs (nome dado aos filhos-de-santo, com menos de sete anos de iniciados) no terreiro, eu sabia que se fizesse alguma coisa e permitisse que voltassem para suas casas, eles seriam prejudicados, então tive que recolher mais dois orixás para que fossem feitos. Eram filhos de Oxum e Yansã”, diz. Assim nasceu o Ilê Omin Alaxé, cuja tradução significa “A casa da força das águas”.
Força Hereditária
Rita, a primeira filha biológica de mãe Clarinda, acompanhou todo processo de feitura da mãe, até receber o deká. Era Rita, aos três anos de idade, quem ajudava ao pai a cuidar do irmão Bartolomeu, que tinha apenas dois meses de nascido. Ela levava o bebê para a mãe amamentar, dentro do terreiro, e voltava para pegar a criança no final da tarde.
Aos 14 anos, Rita começou a sentir fortes dores de cabeça, tontura e desmaios. Mãe Clarinda foi ao jogo e identificou que a menina também precisava atender aos pedidos do orixá. Mas ela não queria maiores responsabilidades. “Quando soube que o orixá queria cuidados, ela passou a freqüentar a Igreja da Conceição todas as manhãs, rezava, conversava com o padre, até que o santo caiu, sem ninguém esperar”, lembra mãe Clarinda, que levou a filha ao seu pai-de-santo, em Maragogipe.
Mãe Clarinda é também irmã de santo de Rita, pois foram iniciadas no candomblé pelo mesmo pai-de-santo. Vale ressaltar que, de acordo com as tradições da religião, as mães ou pais-de-santo não iniciam os filhos biológicos no candomblé.
Rita, após completar sete anos de iniciada, recebeu deká e o cargo de yakekerê (chamada também de mãe-pequena), ou seja, quem está sempre pronta a ajudar e ensinar a todos iniciados, tão respeitada quanto a própria mãe-de-santo. Rita então é chamada de mãe Rita de Nanã, em homenagem ao seu orixá.
O Dia-a-Dia
No dia-a-dia em sua residência, Rita pede conselhos à mãe, pede a bênção quando chega em casa e antes de dormir, cuida da casa, dos filhos e divide seu tempo com o trabalho. Mãe Clarinda explica que, quando se trata das obrigações no candomblé, o tratamento entre elas é de autoridades do terreiro. Cada uma exerce sua função com seriedade e respeito aos orixás, independente da relação entre mãe e filha.
Rita tem um casal de filhos, que também são do candomblé. “Quando se trata do axé, eles devem obediência aos orixás e a minha função é cobrar isso, além da responsabilidade com o terreiro. Nas tarefas de escola e na vida pessoal, as cobranças são outras. Eu saio do papel de yakekerê e assumo a função de mãe”, conta Rita.
As Festas
As festas tradicionais no terreiro de mãe Clarinda, o Ilê Axé Omin Alaxé, são das entidades das autoridades da casa: Yemanjá, Ogum, Nanã, Omolu, Yansã, Exú, além de Tempo e os caboclos.
Os festejos ocorrem ao longo do ano. Todos têm o seu lugar na casa, inclusive os visitantes. Nas festas dos orixás, as autoridades ficam em lugares reservados ou na roda, dançando com os filhos e filhas-de-santo. É de costume os mais novos no candomblé pedirem a bênção aos mais velhos. Todos cantam e dançam saudando os orixás, até quando o orixá festejado vai ao barracão dançar. Nesse momento, todos apreciam ao espetáculo das músicas e coreografias próprias. Geralmente, são servidas comidas e refrigerantes aos presentes.
Nas festas de caboclo, os visitantes e os filhos da casa cantam e dançam em um ritmo diferenciado, próprio de cantigas de caboclo. As roupas dos caboclos são diferentes das vestimentas dos orixás. Costumam fumar charutos, cigarros e consumir bebidas alcóolicas, dar passes e conselhos aos que precisam.
Mãe e filha afirmam que devem a vida ao candomblé e aos orixás. “Se eu não entrasse para o candomblé, talvez não estivesse aqui para contar a história”, diz mãe Clarinda. “Eu devo minha vida aos orixás”, afirma Rita.

Evangélicos e os Acarajés


No candomblé desde o tempo em que todos se respeitavam

Por: Valdina Pinto - Fonte: globo.com                                     



O currículo de Valdina Pinto explica por que esta baiana de 66 anos é referência para as comunidades negras de Salvador. Educadora do bloco afro Ilê Aiyê, ela é reconhecida como mestra nos ambientes intelectuais nacionais e internacionais pela articulação entre a prática e a teoria da sabedoria bantu e membro do Conselho Estadual de Cultura da Bahia e do Fórum Cultural Mundial.
Em sua estreia no blog, a makota do Terreiro Tanuri Junsara, da nação de Angola - que costuma dizer que não quer ser tolerada, mas respeitada em sua crença - fala sobre os ataques ao candomblé e afirma que, por trás deles, haveria preconceito racial, questões políticas e econômicas. Confira a seguir:
Entrevista:

Há quanto tempo a senhora faz parte do candomblé?
Eu estou com 66 anos e entrei para o candomblé mesmo em 1975, mas desde minha infância que eu vivo às voltas com o candomblé, porque a minha mãe era do candomblé e eu cresci nesse ambiente. Aqui no bairro onde nasci e vivo até hoje naquele tempo havia muitos terreiros, das mais variadas nações. Depois que chegaram as outras igrejas: católica, adventista, batista, testemunha de Jeová. Mas não tinha essa falta de respeito que a gente vê hoje, as pessoas se respeitavam. A sociedade brasileira ainda é muito preconceituosa, discrimina muito e acho também que isso é uma manifestação racista. Embora a nossa religião não seja só de negros, a crença vem de uma tradição negra.

Quando essa intolerância começa a ficar evidente? Eu posso dizer que na década de 70, com o crescimento das religiões cristãs neo-pentecostais. A partir dessa época é que começam os ataques aos seguidores do candomblé.
E como é que os seguidores têm lutado contra esses ataques? A gente tem procurado fazer manifestações, como caminhadas e campanhas, e buscar os direitos junto aos órgãos competentes, ao Ministério Público, para que o nosso direito de crença seja assegurado.
Seria uma minoria? Eu não diria uma minoria não. Porque esses grupos têm crescido muito ultimamente, e muitas vezes eu fico sem saber até que ponto eles fazem esses ataques em nome mesmo da fé. Observo que por trás há uma questão política e econômica. Até do comércio do acará, chamado de acarajé, que sempre foi um comércio do povo do candomblé, ultimamente se apropriaram. Estão vendendo acarajé e dizendo que é bolinho de Jesus.


Obs.
O Acarajé , comida ritual ( Adimu ou Ajeun) da orixá Iansã . Na África , é chamado de àkàrà que significa bola de fogo , enquanto je possui o significado de comer . No Brasil foram reunidas as duas palavras numa só, acara-je , ou seja, “comer bola de fogo”. Devido ao modo de preparo, o prato recebeu esse nome. O acarajé , o principal atrativo no tabuleiro, é um bolinho característico do candomblé . Sua origem é explicada por um mito sobre a relação de Xangô com suas esposas, Oxum e Iansã .



9 de jan. de 2011

COMUNIDADE QUILOMBOLA DE ALAGOAS

Discriminação permeia remanescentes de Quilombos em Alagoas
“Nós vivemos em meio a muitas dificuldades. Falta união e esclarecimento do povo”-Genilda M. Q. Silva - Líder Quilombola
Discriminação permeia remanescentes de Quilombos em Alagoas
No começo eram centenas de homens, mulheres e crianças que emprestavam seu suor a vida com um só objetivo: viver a liberdade. Fugiam do tronco, da chibata e das senzalas. Hoje são comunidades rurais que lutam para sobreviver e sofrem com a discriminação que permeia historicamente a trajetória dos negros remanescentes de Quilombos em Alagoas.
Formados pós-abolição por Afro-Descendentes, os Quilombos atuais em Alagoas são comunidades produtivas de culturas de sobrevivência, e excluídas da macrocultura dominante da cana de açúcar. São grupos de Afro-Descendentes em que variam o grau de consciência de uma Cultura Quilombola, ora intensa e presente, ora frágil e apagada. Mas, de uma forma ou de outra, se faz presente por uma consciência étnica de suas origens africanas. “Nós vivemos em meio a muitas dificuldades. Falta união e esclarecimento do povo”, explica Genilda Maria Queiroz Silva, líder quilombola da comunidade Carrasco, em Arapiraca.
Ao todo Alagoas possui 65 comunidades remanescentes de quilombos. Carrasco junta-se a Lagoa das Pedras, Barro Preto, Serra das Viúvas, Jaqueira, Pau D’Arco, Cajá dos Negros, Guaxinim, Povoado da Cruz e outros. Grupo de 50 comunidades já certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Com a certificação eles conseguiram que lhes fossem assegurados os direitos constitucionais de propriedade sobre a terra e de políticas públicas específicas. “A certificação trouxe mais respeito. A cópia deste documento faz com que os olhares sejam diferentes. Quando mostramos este reconhecimento para o Brasil, nos afirmamos enquanto quilombolas”, desabafa a líder da Carrasco.
O Estado ainda possui 15 comunidades que não foram certificadas. No entanto, esta realidade deve mudar até o final de novembro. Cal, Mundumbi, Sítio Alto de Negras, Tupete, Melancias, Perpétua, Mumbaça são alguns dos grupos que aguardam ansiosos pela certificação. Apesar de ainda não serem certificadas, elas já receberam o mapeamento étnico cultural realizado pelo Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (ITERAL). “O objetivo de nosso trabalho junto a estes grupos foi também fortalecer a organização das Comunidades Quilombolas como sujeito político nesse processo de conquista de direitos que visem à melhoria da qualidade de vida e valorização da identidade”, explica Geraldo de Majella, presidente do ITERAL.
Constituídos a partir de uma grande diversidade de processos, os grupos hoje considerados remanescentes de Quilombos em Alagoas guardam características semelhantes em relação à saúde, educação, religião e atividades artísticas. Além disso, lutam diariamente pelo direito de serem agentes de sua própria história.
“A gente tem que buscar todos os dias pelos nossos direitos. Se ficarmos sentados, nada chegará até nós”, disse Manoel Oliveira da Comunidade Mumbaça, em Traipú. Formada por 100 famílias, a comunidade encontra na agricultura e artesanato sua principal fonte de renda.
Fonte: Gazeta Web/ Globo

UMA GRANDE HOMENAGEM

Homenagem ao N`Kissi Mutakalombo
Dia 15 de janeiro a partir das 20 horas em Itapecerica da Serra(SP)
O Nganga-Nkissi Katuvanjesi tem a honra de convidar Vossa Senhoria e Excelentissima Familia para o evento conforme programação abaixo

DIA 15 DE JANEIRO/ 2011
Kizoomba ie Nkembu Kwa N`Nkissi Mutakalombo Ye Kizoomba kwa kituminu kwa Koota Kitamazi N`ganga)
(Festa em Homenagem ao N`Kissi Mutakalombo e Obrigação de 14 anos de iniciação e reafricanização no candomblé congo-angola e Festa da Kota Kitamazi N`ganga), DRª EUNICE R. BERNARDES, Diretora-Presidente do Nzo Tumbansi
Dia 15 – sábado
20:00 horas
Recepção aos convidados,visitantes e autoridades tradicionais afro e religiosas
20:30 horas
Cerimônia Tradicional de Entrada no Salão de Culto do Nganga-N`Kissi Katuvanjesi e todo Clero afro religioso bantu do Nzo Tumbansi.
21:00 horas
Celabração e Louvação aos Bankissi.
22:00 horas
Kizoomba kwa Mukini kwa Mutakalombo
(Festa e dança sagrada do nkissi Mutakalombo e Nkongombila)
 Sede Social: Estrada de Itapecerica, nº 5.205 – Jardim Campestre – ref.: logo depois da Passarela do Valo Velho/Motel Vila Azul e Fazenda do Tião – Itapecerica da Serra(SP)
Tel. (11)4165.4333

GRANDE HOMENAGEM AO SR. ODÈ

Homenagem a Oxossi
Dia 22 de janeiro às 20hs no Vale dos Orixás em Bauru / Piratininga
Homenagem a Oxossi

A LAVAGEM DO BONFIM

Inscrições para a Lavagem do Bonfim (BA)
O prazo para participar da Festa, encerra-se nesta sexta dia 7 de janeiro
Inscrições para a Lavagem do Bonfim (BA)
Salvador - A Empresa Salvador Turismo (SALTUR) informa que os grupos e entidades interessados em participar do cortejo da Lavagem do Bonfim, segundo mais importante evento da cidade, têm até o dia 7 de janeiro, para realizar a inscrição. Somente com o documento emitido pela SALTUR o grupo terá acesso à Avenida Contorno, local de concentração e de partida do cortejo. A Gerência de Festas Populares expressa que é totalmente proibida a utilização de cordas pela entidade inscrita. A inscrição deve ser feita na sede da Saltur, em frente ao Dique do Tororó, entre 14h e 18h.
A Lavagem das Escadarias do Bonfim, é a principal festa religiosa da Bahiae a segunda maior manifestação popular do país. As homenagens tiveram início em 1754, quando a imagem do Senhor Crucificado – trazida em 1745 pelo Capitão do Mar e Guerra da Marinha Portuguesa, Teodósio Rodrigues – foi transferida da Igreja da Penha, em Itapagipe, para a sua própria Igreja, na Colina Sagrada.
Os festejos acontecem tradicionalmente na segunda quinta-feira do mês de janeiro, onde milhares de baianos e turistas acompanham o cortejo que sai da igreja da Conceição da Praia, no Comércio, em direção à Colina Sagrada, e acompanham a lavagem das escadarias da basílica do Senhor do Bonfim, ponto alto das comemorações. O ritual é realizado por Baianas vestidas com trajes típicos, carregando vasos com água-de-cheiro (mistura de seiva de alfazema com água de flores) para lavar as escadarias e o adro do templo.
Desde o início das homenagens, diversas alterações, mudanças e repercussões permeiam a tradicional festa baiana, que faz parte da história de muitos católicos e também de devotos de Oxalá, divindade do Candomblé que é associada ao Senhor do Bonfim.
Parece-nos que esta interferência do Poder Público Municipal junto a manifestações Culturais, Religiosas e rigorosamente democráticas, se dá em virtude da descaracterização do evento por elementos que aproveitam o manifesto para condutas e atitudes que ferem o preceito moral do Culto de Oxalá. Se é este o real motivo da interferência do Governo Soteropolitano, nossos sinceros parabéns à atitude.
Fonte: A Tarde
Jornal do Povo

''AFOXÉ OMO OSÙN''

Lei inclui ‘Afoxé Omo Oxum’ no Calendário de Sergipe
Lei inclui ‘Afoxé Omo Oxum’ no Calendário de Sergipe
Aracaju - O ano de 2011 começou a todo vapor para a cultura de Sergipe. O governador Marcelo Déda sancionou a lei que inclui o ‘Afoxé Omo Oxum’ no calendário cultural do Estado. A iniciativa de incluir o evento partiu da deputada estadual Ana Lúcia, e teve o apoio da secretária de Estado da Cultura, Eloísa Galdino. O Afoxé, como é conhecido, é uma manifestação cultural composta por pessoas que fazem parte do segmento afro-descendente e acontece no dia 8 de dezembro, em louvor a Oxum, Orixá das águas doces cultuada pelas religiões de matriz africana. No Brasil, Oxum é adotada e cultuada em todas as religiões afro brasileiras. Em Oxum, os fiéis buscam auxílio para a solução de problemas no amor, uma vez que ela é a responsável pelas uniões, e também na vida financeira, a que se deve sua denominação de Senhora do Ouro.
A secretária de Estado da Cultura, Eloísa Galdino, comemorou a publicação da Lei e afirmou que esse reconhecimento pelo Governo do Estado já era esperado. “O Afoxé é um evento tradicional e cultural que tem um papel fundamental na luta pela igualdade racial, e isso vai além de uma manifestação de louvor, tem um papel de grande importância social. Desde a época em que fui secretária de comunicação salientei sobre a importância de incluir esse evento no nosso calendário cultural, pois a cada ano aumenta o número de adeptos a essa manifestação, demonstrando que a população sergipana, mesmo que pertençam a outras religiões aprovam e reconhecem o evento como uma manifestação não só cultural, mas com o aspecto e a responsabilidade social de acabar com o preconceito seja racial ou religioso”, constatou.
Um dos objetivos do evento é o de reduzir o preconceito contra as mulheres negras e a religião africana, além de mobilizar a população para a luta pelos direitos femininos e de igualdade racial. Diversos municípios sergipanos apóiam o evento, além de Instituições e ONG’s, que se mobilizam para realizar um grande ato em louvor a Oxum, mas principalmente, em prol da igualdade racial e ao reconhecimento e respeito por todas as religiões. O cortejo que acontece a seis anos consecutivos é organizado pelo terreiro Abaçá São Jorge, e é uma verdadeira celebração à pluralidade e ao sincretismo religioso. De acordo com a Ialorixá do terreiro, Mãe Marizete, reconhecer a celebração a Oxum é uma forma de reconhecer e respeitar o sincretismo religioso que existe no estado. “O evento cresce a cada ano, e as pessoas estão cada vez mais se reconhecendo e respeitando a pluralidade de religiões que existe em Sergipe. É muito gratificante receber a notícia de que agora o evento é reconhecido oficialmente pelo nosso Estado como uma manifestação cultural de suma importância”, disse.
Fonte: Fax Aju

5 de jan. de 2011

Arranjador de hits de Ivete Sangalo monta orquestra inspirada no candomblé

Ivete Sangalo com o saxofonista, percussionista e arranjador Letieres Leite.
Ivete Sangalo com o saxofonista, percussionista e arranjador Letieres Leite. (Foto: Divulgação)
Ivete Sangalo talvez não tivesse se tornado a estrela pop da axé music sem a ajuda de Letieres Leite, 50. Percussionista e saxofonista que acompanha a cantora há 12 anos, o músico baiano foi o responsável pelos arranjos de muitos sucessos da morena, incluindo “Festa”, “Empurra-empurra”, “Tô na rua” e “Abalou”. Enquanto se prepara para acompanhar a musa no carnaval – com apresentações que vão de sexta (12) à próxima terça-feira em Salvador – o artista divulga o lançamento do primeiro álbum de sua Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz.
No projeto, a mesma matéria-prima presente nos álbuns de Daniela Mercury e Olodum, por exemplo, é usada para compor um repertório instrumental que remete à obra do músico pernambucano Moacir Santos. “Como arranjador de vários grupos na Bahia [Olodum, Daniela Mercury, Timbalada e Cheiro de Amor entre eles], para mim a questão rítmica sempre foi uma preocupação", diz Letieres. "Na Rumpilezz, eu preferi procurar algo a partir do universo percussivo baiano. Tudo vem do candomblé, de uma maneira ou de outra. Nós somos formados de várias nações, e essa mistura criou um grupo rítmico extremamente original. A mistura feita no Brasil é única.”
Formada por 19 músicos, a big band deve retornar a São Paulo para apresentações em março, depois da maratona carnavalesca, já que um dos maiores desafios de tocar com Ivete Sangalo é acompanhar o pique da cantora nesta época do ano. “Geralmente tocamos seis horas direto, sem parar. Começamos às 13h e vamos até as 19h, em pé. Às vezes saímos com a perna inchada, um pouco baqueados. Mas esse é o nosso ‘fitness’, e eu já fiz muitos carnavais. Tem que ter um preparo físico”, afirma o artista, praticante de luta marcial.
O músico baiano Letieres Leite e sua Orkestra Rumpilezz. (Foto: Divulgação)
Em uma de suas apresentações mais recentes ao lado de Ivete, Letieres teve a oportunidade de conhecer a cantora norte-americana Beyoncé. "Entregamos a ela um disco da Rumpilezz. Me disseram que ela tem a mente aberta para vários gêneros musicais."

Principalmente por causa do axé, Salvador é um ambiente fértil, e a maioria dos músicos tem conhecimento rítmico, segundo Letieres. Os componentes da Orkestra Rumpilezz (cinco percussionistas e 14 instrumentistas de sopro, da tuba à flauta) tocam com grandes artistas baianos, como Carlinhos Brown, ou são percussionistas ligados aos terreiros de candomblé, responsáveis pela música no momento da cerimônia. O nome da banda, aliás, vem dos três atabaques do candomblé (rum + rumpi + lé) somados aos dois “zz” da palavra jazz.
“Entregamos um disco da Rumpilezz para a Beyoncé”
Letieres Leite começou a “alinhavar as primeiras ideias” no tempo em que estudava no Konservatorium Franz Schubert, em Viena, na Áustria, onde morou por seis anos. De volta ao Brasil, montou uma escola chamada Academia de Música da Bahia, onde começou a desenvolver suas pesquisas. “Foi quando consegui unir os dois mundos – a tradição dos terreiros com o aprendizado no conservatório”, diz.
“A Orkestra Rumpilezz surgiu dessa pesquisa e as pessoas estão vendo o universo percussivo da Bahia com outros olhos. A música alternativa, que não gera um grande negócio, não dá um grande retorno, sempre existiu. Mas nos últimos quatro anos está havendo o surgimento de uma cena consistente em Salvador que vai da sonoridade do Rumpilezz ao rock, a exemplo de grupos como Cascadura e Retrofoguetes. Ainda está um pouco tímida, mas a tendência é crescer. Acho que é natural haver um desgaste [no universo da axé music.”
Mantendo a conexão direta com a África e ao mesmo tempo sob um tratamento harmônico totalmente novo, o álbum homônimo de Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz foi mixado no lendário estúdio Legacy, em Nova York, por Joe Ferla, que já trabalhou com Miles Davis, Herbie Hancock e John Mayer.
“Um amigo botou o disco para tocar, o Joe passou por perto e perguntou o que era. Ele achou que fosse um grupo afro-cubano, depois pensou que fosse algo da Nigéria. Esse amigo deu uma cópia para ele e uma semana depois recebi o convite para fazer a mixagem”, conta. “Ele conseguiu manter tudo sem a interferência de efeitos, e o resultado final ficou bem fiel ao que imaginávamos. Foi como um conto da Cinderela.”

CANDOMBLÉ VEGETARIANO ?!?!?!



O universo do candomblé está presente na vida de Iya Senzaruban desde muito cedo. Nascida numa família de cultura tradicional do candomblé, ela é filha de um ekede e de um ogã. Foi iniciada nesta senda espiritual aos 7 anos e aos 14 anos tornou-se mãe-de-santo. Desde o início dos anos 90 estuda técnicas da medicina alternativa como a aromaterapia, acupuntura, fitoterapia, auriculoterapia, cromoterapia e cristais. No Sri Lanka entrou no culto a Krishna e Shiva e acabou descobrindo uma forma para substituir, em sua alimentação e nos rituais, os animais e ingredientes de origem animal. Vegetariana há 25 anos, atuante na área de saúde, ela é também responsável pelo Grupo Ile Iya Tundé, entidade filantrópica que atua há 22 anos em Itanhaém, no estado de São Paulo e que ministra cursos e atividades para a comunidade. Sua experiência na renovação do candomblé está sendo relatada no livro que escreve e pretende publicar sob o título de Candomblé Vegetariano. Nesta entrevista à jornalista Cynthia Schneider, da ANDA, Yia Senzaruban fala sobre sua experiência lactovegetariana, sua dedicação ao candomblé, sua caminhada espiritual e a sintonia entre natureza e espiritualidade.
ANDA – Como foi sua experiência de ter se tornado mãe-de-santo tão jovem e depois ter optado pelo vegetarianismo?
Iya Senzaruban – Eu já nasci dentro do santo. Fui iniciada aos 7 anos e aos 14 já era mãe-de-santo. Depois disso andei em vários lugares, mas no Sri Lanka foi uma experiência relevante por causa do vegetarianismo e também porque eu me iniciei como devota de Krishna. E isto tudo criou uma incompatibilidade, pois os devotos de Krishna e Shiva não comem carne de jeito nenhum. Eles comem alguns produtos lácteos e derivados como o queijo, porque a vaca é considerada sagrada. Mas não comem ovo, nenhum outro produto animal sem ser derivado do leite. Desde pequena eu não gostava de comer carne, então optar pelo vegetarianismo foi fácil. Difícil foi conciliar as coisas. Eu levei muitos anos para poder encaixar as duas coisas, que eu considerava muito bonitas. Além disso eu já tinha muita gente que contava comigo pela minha situação religiosa. Não poderia abandonar tudo no meio do caminho.
ANDA – Como foi esta transição para um candomblé vegetariano?
Iya Senzaruban – Eu estou escrevendo um livro a respeito do candomblé vegetariano e também dou cursos e palestras sobre isto. Assim como eu, tem muita gente que é do santo, que é do candomblé e que não gosta da matança e se sente meio acuada. Tem gente que adora, gosta, ama os orixás, admira o ritual que é muito bonito, muito completo, mas na hora de participar de uma matança, “o bicho pega”. A proposta do vegetarianismo no candomblé é fazer de uma outra forma, sem prejudicar o tipo de energia que a gente trabalha, sem mudar muito. As mudanças são muito poucas. Não são eliminados os elementos da natureza, que é o que o candomblé trabalha, as forças da natureza. No livro que estou escrevendo apresento as mudanças que vão desde a comida de santo, que não usa nem camarão ou ovo, nada de origem animal. Mas demorou muito tempo para chegar nisso. Passei a vida inteira dentro de um certo contexto. Hoje já é mais fácil. Mas ainda tem adaptações a fazer, tem hora que eu tenho que buscar outras soluções. Também não dá para buscar a mesma energia, porque a energia de sangue é muito pesada. Ela traz muita proteção mas ao mesmo tempo traz muita sujeira espiritual. Hoje em dia eu procuro ter uma limpeza espiritual e conseguir a mesma coisa sem ter que fazer uma matança: livrar as pessoas de problemas, principalmente na área de saúde, de doenças graves. Como eu também sou terapeuta, vejo muito por este lado, de saúde física, moral, espiritual e psicológica. Meu trabalho como mãe-de-santo é bem voltado para a saúde.
ANDA – Você também trabalha com outras técnicas de terapias como a cromoterapia e acupuntura. Como isto ajuda no seu trabalho?
Iya Senzaruban – Hoje em dia os pais-de-santo estão muito mais cultos. É uma nova época dentro do candomblé. As pessoas estão buscando mais conhecimento, trabalham em outras coisas, não dependem mais financeiramente do candomblé como eram os antigos pais-de-santo, que só viviam para isso. Então ficava muito restrito. Toda religião precisa evoluir, senão fica estagnada e morre.
ANDA – Dentro do contexto religioso é mais difícil a aceitação da mudança?
Iya Senzaruban – A respeito da matança, eu acho que os meus filhos-de-santo que já têm casa vão aproveitar muito mais esta situação renovada e talvez daqui a 10 anos a gente tenha alguma resposta. Isso porque há uma restrição muito séria a respeito disso. Mas aos poucos eu acredito que a gente vai atingindo as pessoas. Afinal, alguém tem que começar, né?
ANDA – Dá para perceber o quanto você está sendo pioneira.
Iya Senzaruban – Isso é porque eu sou filha de Iansã, e Iansã arrebenta tudo. Ela é a minha guerreira, ela derruba mesmo os tabus, os preconceitos. Mas fora a situação de matança, os pais-de-santo têm menos tradicionalismo hoje. Eles são abertos a outras coisas, à busca das raízes, das ervas, de estudos sobre determinados orixás que a maioria não conhecia ainda, mas com uma mente diferente, porque já têm mais cultura. A maioria hoje tem terceiro grau completo e isso faz alguma diferença.
ANDA – Como você relaciona o vegetarianismo e a espiritualidade sob este enfoque profissional na área de saúde?
Iya Senzaruban – Matar os animais é algo que espiritualmente não faz bem, pois você está tirando a vida e depois comendo cadáveres. Não é nada sadio espiritualmente falando. Além disso, principalmente o frango e os animais que se compram em supermercados estão cheios de hormônios. Um frango hoje em dia, de um pintinho para um frango demora três dias. Isso é um absurdo. Imagine o que isto não causa dentro do organismo da pessoa. E ainda afeta a psique, porque são drogas injetadas por tabela. Não adianta você não fumar, não beber, não tomar psicotrópicos e acabar consumindo por tabela quando consome a carne. O efeito é o mesmo. Isso faz também com que cada vez mais as pessoas tenham câncer e outras doenças. O vegetarianismo, ao contrário, é muito bom. É certo que muitas verduras são contaminadas, mas mesmo assim já não faz tanto mal, pois não atinge a aura da pessoa. E com isso ainda tem tantas opções, como os grãos. Eu mesma como muito poucas verduras. O que como mais são legumes, tubérculos, grãos e doces. Inclusive, quando eu dou aulas sobre a comida vegetariana, apresento excelentes opções simples e tão mais baratas! Com um quilo de carne dá para fazer um almoço para quatro pessoas. Com o mesmo dinheiro de um quilo de carne, na cozinha vegetariana, dá para fazer o almoço, o jantar e outro almoço no dia seguinte para quatro pessoas. O vegetarianismo é um estilo de vida para o bolso, para a saúde mental, espiritual e psicológica, pois tudo está ligado. Se você come um alimento saudável, vai ser uma pessoa saudável mentalmente também. Te dá ânimo para fazer exercícios, você se torna uma pessoa mais doce. Geralmente quem é vegetariano não bebe, não fuma, é uma consequência sine qua non. Vai limpando o seu corpo. E ainda tem mais: a pele fica bonita, o cabelo também, não tem barriga, não tem celulite…
ANDA – Há quanto tempo você adotou o vegetarianismo no seu trabalho? E como as pessoas percebem o seu engajamento por esta opção?
Iya Senzaruban – Eu já sou vegetariana há 25 anos e levo o candomblé vegetariano há quase 17 anos. As pessoas, principalmente as mais jovens, se interessam mais. Eu vejo também que quem mais se interessa pelo vegetarianismo é o tipo de pessoa mais intelectual, geralmente artistas, profissionais que se destacam em várias áreas. Eu percebo bem que eles têm uma consciência muito maior. Fora isto há outros grupos que já levam isto como uma realidade. Há alguns colegas meus, na medicina, que também têm trabalhos nesta área. Mas é muito diferente falar para uma pessoa que ganha um salário por mês – e que não são poucas, infelizmente é a realidade majoritária no nosso país – aí é muito difícil de atingir. Eu tenho esta sorte de conseguir atingir muita gente neste nível, por exemplo, ensinando a fazer a farofa multimistura para a alimentação ficar mais completa. Ensino a fritar a casca de batata, usar a casca de banana, trabalho já há muito tempo com isso. Porque muita gente acha que só a carne alimenta, eles têm esta educação falha. Eu consigo atingir também este público, mas é muito difícil encontrar quem se proponha a trabalhar assim. Eu percebo que o vegetarianismo é uma coisa mais elitizada, sim: financeira e culturalmente. O vegetariano é a pessoa que teve uma cultura mais elevada e que tem dinheiro. Mas com o meu trabalho como mãe-de-santo eu consigo atingir outras classes mais sofridas, de gente que vive com um salário, paga o aluguel e ainda tem três ou quatro filhos. Esta é uma área de atuação maior. Também tenho uma entidade filantrópica, o Grupo Ilê Iya Tundê, que fica em Itanhaém e já tem 22 anos, que me permite ir ensinando. Lá também ensinamos terapias, danças, capoeira e culturas de origem afro, além de cursos profissionais. Tem muitos outros grupos de várias crenças que inclusive utilizam este espaço para fazer entrega de mantimentos e outras atividades para a comunidade.
ANDA – O que pretende o candomblé vegetariano?
Iya Senzaruban – Eu sou uma mãe-de-santo e não estou aqui para questionar a situação de ninguém. Nasci numa situação tradicionalíssima e não posso negar de onde eu vim. Para algumas pessoas isso é o que serve. Para mim não serve mais. A minha função, assim como para quem se sente nesta situação, é encontrar uma nova forma de louvar os orixás sem ofender os outros seres vivos. Eu acho que é uma demonstração de boa vontade para com Deus.

OS OLHARES EXTERNOS

Entre o social e o grafite O artista norte-americano Joel Bergner percorre o mundo com seu trabalho destinado principalmente às comunidades carentes

Nahima Maciel

Joel Bergner/Divulgação

Bergner : "Minha inspiração é o mural, mas como isso não é conhecido por aqui, digo que sou grafiteiro"






O encanto do artista norte-americano Joel Bergner com o Brasil é o mesmo que já o levou a El Salvador, Colômbia, Cuba e República Dominicana: quando há trabalho social e histórias de culturas arraigadas para contar ele gosta de estar presente. No Rio de Janeiro, passou um tempo na Cidade de Deus. Morava com uma família local e desenvolvia trabalhos em pintura mural pela favela. Na Bahia, fez o mesmo com o candomblé. E em Brasília, percebeu a confluência de culturas antes de sair a pintar os muros de cidades como Gama, Ceilândia, Samambaia e São Sebastião. Ficou hospedado nesta última, na casa do também artista Gersion. “Fiz pinturas sobre a cultura daqui, do Nordeste. Aqui tem muitas pessoas do Brasil inteiro, então colocamos de tudo, samba, coisas do Nordeste.”

Bergner também ficou surpreso com a forte conexão entre o grafite brasiliense e o hip-hop. “Foi muito interessante ver que aqui é como lá nos Estados Unidos”, compara, em português perfeito, aprendido entre a Cidade de Deus e a Bahia. Além das quebradas brasilienses, o artista também circulou pelos templos da elite da cidade e, na manhã da última terça-feira, promoveu o encontro entre alunos da Escola Americana de Brasília e do Centro de Ensino Médio nº 1, de São Sebastião. Juntos, os estudantes pintaram murais sobre a diversidade. É um dos temas preferidos de Bergner.

Na verdade, o artista se identifica mais com a arte mural do que com o grafite. É na herança da pintura mural mexicana dos anos 1920, quando Diego Rivera e José Clemente Orozco traçavam a história de opressão das classes desfavorecidas nas paredes das ruas da Cidade do México, que Bergner encontra respaldo para a prática de hoje. “Meu trabalho tem inspiração na pintura mural, mas como aqui não é muito conhecido, digo que sou grafiteiro”, explica.

Candomblé

O artista ouviu falar na Cidade de Deus pela primeira vez em 2007, nos Estados Unidos, durante um encontro com rapper MV Bill. Em 2009, desembarcava no Rio para trabalhar com a Central Única das Favelas (Cufa) e dar aulas de inglês e grafite para crianças. Com a comunidade, pintou os muros de uma igreja no qual misturavam personagens da favela e cenas bíblicas. Na Bahia, se concentrou nas figuras do candomblé. Ao voltar aos Estados Unidos, Bergner decidiu contar a trajetória da família que o hospedou na favela carioca. A história de Felipe — um mural no qual o garoto aparece rodeado pela família e pela violência — ilustra hoje um muro da cidade de Whashington. Em São Francisco, ele pintou a Bahia. Sob o sol dos orixás e Um olhar nas ruas da Bahia trazem cenas cotidianas de festas afro e da capital baiana.

São obras muito coloridas, com narrativas claras e personagens que contam histórias. Para Bergner, os muros são espaços democráticos e podem ajudar as populações que não têm voz a narrar suas trajetórias. “Os murais ficam nas ruas, sempre em lugares de movimento e as mensagens são fortes. É uma oportunidade para pessoas que não são da arte mas têm mensagens importantes.” Imigração, guerras civis, violência doméstica e pobreza são temas sempre presentes.

Em Maryland, ele pintou o Mural global dos refugiados com a ajuda de pessoas que deixaram seus países por conta de guerras e em Washington fez o Mural afrocolombiano, com participação de imigrantes colombianos. De fronteira a fronteira, pintado em São Francisco, fala sobre a República Dominicana, terra de muitos expatriados hoje radicados nos Estados Unidos, e Através das olas, em Baltimore, traça a saga comum das ondas de imigração latina. El Salvador e Cuba também receberam os murais do artista. Agora, Bergner descansa em Salvador antes de retomar à cruzada global contra a pobreza, batalha na qual luta armado de tintas, pincéis e histórias de gente em situação de risco.


O muro contra a burgesia

Diego Rivera estudou na Academia de Bellas Artes de San Carlos, no México, e, graças a uma bolsa de estudos, partiu para a Europa, onde ficou de 1907 até 1921. Lá teve contato com muitos pintores da época, como Pablo Picasso, Salvador Dalí, Juan Miró e o arquiteto catalão Antoni Gaudí, que influenciaram a sua obra. Juntamente com José Clemente Orozco e David Siqueiros criou o movimento muralístico mexicano. Eles acreditavam que só mesmo o mural poderia redimir artisticamente um povo que esquecera a grandeza de sua civilização pré-colombiana durante séculos de opressão estrangeira e de espoliação por parte das oligarquias nacionais culturalmente voltadas para a metrópole espanhola. Assim como os outros muralistas, considerava a pintura de cavalete burguesa, pois em maior parte dos casos as telas ficavam confinadas em coleçõ es particulares. Foi casado com a pintora mexicana Frida Kahlo.

A FORÇA PRÓPRIA DO CANDOMBLÉ

Festejo aos orixás no Terreiro de Pai Adão
Davi Lira
Especial para o JC Online
O candomblé sobrevive até hoje porque não quer convencer as pessoas sobre uma verdade absoluta. Para o etnólogo com sangue baiano Pierre Verger, falecido em 1996, ao contrário da maioria das religiões, esse culto de origem afro-brasileira, com mais de quatro séculos de história, confere certo grau de dignidade aos descendentes de escravos como nenhum outro rito.
"O que eu acho é que na Bahia há um certo prestígio e orgulho em ser negro, por causa do candomblé". Segundo Verger isso pode ter a ver, inclusive, com o fato dessa religião ser também admirada pelos brancos. Sem perder de vista, é claro, e não deixando de considerar toda a essência ritualística e da vasta riqueza dessa tradição iorubá (grupo étnico da África Ocidental que influenciou o candomblé local).
De acordo com os organizadores da 4ª caminhada dos terreiros de matriz africana e afro-brasileira do Estado, ocorrida no dia 4 de novembro no Marco Zero do Recife - proposta com o objetivo de lutar contra a intolerância religiosa, depois da Bahia, Pernambuco é o segundo estado com maior contingente de negros do País. O Estado ainda é autoproclamado como o de maior população de candomblé, umbanda e jurema (outros dois ritos de matriz africana); e como um dos estados de maior culto no País dessas religiões.
"Somente aqui existem cerca de 800 terreiros vinculados à Abycabepe, que tem como ponto central o Museu da Abolição da Madalena (Zona Oeste do Recife)", afirma o presidente da Associação dos Babalorixás e Yalorixás dos Cultos Afros do Estado de Pernambuco, Manoel do Nascimento Costa, o pai de santo do Terreiro de Pai Adão. Segundo "Papai", como é conhecido, somente ligado diretamente à Casa de Água Fria existem cerca de 65 pessoas, todas descendentes de populações quilombolas e com ancestrais africanos vivendo no mesmo terreiro. Todos participando efetivamente da rotina de reverências às divindades sagradas, que não são diárias, na verdade, acabam sendo bem ocasionais.
No candomblé não existe vida pós-morte e tudo é guiado por uma lei de santo. São regras de conduta, principalmente a ser cumprida dentro dos terreiros, que não estão contidas em nenhum tipo de livro sagrado, e que podem variar de terreiro para terreiro. "Apesar desse aspecto difuso, as práticas estão completamente fundamentadas em uma rica mitologia transmitida de geração a geração", afirma o pesquisador da Universidade de São Paulo, Armando Vallado, a partir de um amplo estudo sobre o tema, que vincula a forte hierarquia dos terreiros aos conflitos que surgem nas estritas regras que são impostas aos filhos de santo, tudo em nome da fé nos orixás, invocados principalmente através das cantigas de xirês durante os festejos religiosos (os toques).